Totaliter aliter: a experiência religiosa

É pensado que a alteridade é apenas o encontro entre dois seres humanos que se entendem como Outro. Entretanto, a alteridade vai além da racionalidade humana, ela quebra fronteiras materiais. A experiência com o Divino é um ato de alteridade, é algo sublime. É o reconhecimento da sua impotência, fragilidade e impureza comparado Àquele que é o Eterno, Puro e Todo-Poderoso.

O sociólogo Peter Berger diz que: “Uma das qualidades essenciais do sagrado, como é encontrado na “experiência religiosa”, é a alteridade, sua manifestação como algo totaliter aliter, se comparado à vida humana comum, profana. É precisamente essa alteridade que jaz no coração do temor religioso […] É essa alteridade, por exemplo, que esmaga a Arjuna na clássica visão da forma divina de Krishna no Bhagavad Gita […]” (1985, p. 99)

Quando Krishna se revela, em sua verdadeira forma, a exclamação do guerreiro Arjuna é:

“Enquanto te contemplo tocando o céu, resplandecente com diversas cores, com as bocas abertas e grandes olhos brilhantes, me sinto oprimido no mais íntimo ser e não há paz nem repouso para mim, ó Deus!” (BG 11:24)

“Revela-te a mim! Quem és tu nessa forma de terror? Eu te adoro, ó supremo Deus: estende sua graça até mim. Anseio por te conhecer, quem és desde o princípio: pois não compreendo tuas obras misteriosas.” (BG 11:31)

Na Bíblia Sagrada a experiência com Deus é semelhante. Em Isaías 6 é relatado o momento no qual Isaías vê ao Senhor:

“No ano em que morreu o rei Uzias, eu vi também ao Senhor assentado sobre um alto e sublime trono; e a cauda do seu manto enchia o templo. Serafins estavam por cima dele; cada um tinha seis asas; com duas cobriam os seus rostos, e com duas cobriam os seus pés, e com duas voavam. E clamavam uns aos outros, dizendo: Santo, Santo, Santo é o Senhor dos Exércitos; toda a terra está cheia da sua glória. E os umbrais das portas se moveram à voz do que clamava, e a casa se encheu de fumaça. Então disse eu:

Ai de mim! Pois estou perdido; porque sou um homem de lábios impuros, e habito no meio de um povo de impuros lábios; os meus olhos viram o Rei, o Senhor dos Exércitos” (Isaías 6:1-5)

Rudolf Otto fala desse aspecto “terrível” de Deus em seu livro The Idea of Holy, ele diz que o “numinoso” se revela a si mesmo como mysterium tremendum et fascinans. Esse mistério, que é tremendo, nos aterroriza, assim como vemos no Gita e na Bíblia. “Trememos perante essa imensidade; trata-se de um medo fantástico, o medo do desconhecido. Ao mesmo tempo, é fascinans, fascinante; puxa-nos e nos trai, como um noivo atrai a noiva” (GRIFFITHS, 2011, p.285)

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Jó, assim como Isaías, teve uma experiência de ver a Deus. Quando Jó começa a indagar a Deus sobre as coisas que estavam acontecendo com ele, Deus se revela no meio de uma tempestade e começa a questionar Jó sobre questões da criação divina e onde estava Jó quando tudo foi criado. E Jó, dominado pela revelação, exclama: “Com o ouvir dos meus ouvidos ouvi, mas agora te vêem os meus olhos. Por isso me abomino e me arrependo no pó e na cinza” (Jó 42:5,6).

A Bíblia fala que “O temor de Deus é o princípio da sabedoria” (Pv 1:7), entretanto esse temor não significa o medo do castigo. O apóstolo João diz que não há temor no amor, pois o perfeito amor lança fora todo o medo (1 João 4:18). O temor na experiência com Deus é o temor da reverência, do maravilhamento e “de um sentido da profundidade e da grandeza do mistério do amor de Deus” (FREEMAN, 2004, p.113).

Apenas nos conhecemos quando temos esse encontro com Deus. É nesse momento que nos reconhecemos como pecadores, pequenos e mortais. E podemos experimentar esse maravilhoso amor, que nos amou  quando nós ainda éramos pecadores e desprovidos de sua luz. A cruz é a expressão desse glorioso amor, que nos mostra o Deus humano e divino através da pessoa de Jesus. Cristo, o eterno Homem que restaura aos seres humanos seu relacionamento com Deus.

O padre Bede Griffiths uma vez disse: “Nosso único e verdadeiro Ser é nosso Ser em Deus”. Que a nossa verdadeira identidade esteja Nele, o Supremo, O além das palavras, o Pantocrator.

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Livros indicados:

Bíblia Sagrada

Rio de Compaixão: um comentário cristão ao Bhagavad-Gita – Bede Griffits

Os Olhos do Coração: a meditação na tradição cristã – Laurance Freeman

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Um pensamento sobre “Totaliter aliter: a experiência religiosa

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