O diálogo inter-religioso tem se tornado uma necessidade na atualidade. O campo da religião transformou-se uma verdadeira batalha das “certezas” daquilo que é incerto. No lugar de partilha dos pontos comuns, as religiões insistem em focar nas diferenças de crenças e ritos, dando espaço para que os fundamentalistas destilem intolerância daqueles que não pertencem a mesma “ortodoxia”.
É necessário que as religiões se abram para o respeito e trocas significativas. O diálogo não implica na perda da sua própria crença, mas sim em um enriquecimento mútuo e um conhecimento profundo acerca da religiosidade experimentada.
O medo de se abrir ao outro é o medo de perder sua própria identidade. Na igreja que eu frequentava era comum ouvir dos pastores a seguinte frase: “VISÃO + VISÃO GERA DIVISÃO”. Por muitos anos ouvi e repeti essa frase que soava como um mantra para que fosse seguido a visão da igreja pertencente. Não era permitido, e muito menos incentivado, visitas à outras igrejas da mesma fé, imagine só outras religiões. Hoje vejo o quão essa frase é prejudicial ao desenvolvimento da própria identidade e experiência religiosa. Visão + visão não gera divisão, gera amadurecimento, conhecimento e alteridade. O isolamento e o medo tem como raiz o ego humano.
As únicas formas de quebrar esse isolamento e medo é a partir do diálogo com o outro. O diálogo não implica no convencimento do outro, mas sim na exposição das diferentes opiniões. Também não implica no “converter” o outro à sua própria ideologia. Dom Laurence Freeman define o diálogo como: “É algo desafiador e difícil. Significa que você troca pontos de vista com o outro, expande a sua própria perspectiva da realidade, tenta ver o mundo a partir das crenças da outra pessoa. Isso não significa que você aceite essas crenças, mas que tem a coragem e olhar o mundo a partir da visão do outro. E esse é um desafio difícil e exigente, mas é a base real e qualquer relacionamento. “
O teólogo e cientista da religião Faustino Teixeira classifica o diálogo inter-religioso da seguinte maneira:
“O diálogo inter-religioso instaura uma comunicação e relacionamento entre fiéis de tradições religiosas diferentes, envolvendo partilha de vida, experiência e conhecimento. Esta comunicação propicia um clima de abertura, empatia, simpatia e acolhimento, removendo preconceitos e suscitando compreensão mútua, enriquecimento mútuo, comprometimento comum e partilha da experiência religiosa. Este relacionamento inter-religioso ocorre entre fiéis que estão enraizados e compromissados com sua própria fé, mas igualmente disponíveis ao aprendizado da diferença.”
Um monge uma vez ilustrou o caminho do diálogo inter-religioso da seguinte maneira:
Conforme o tempo passa as árvores vão se enraizando cada vez mais no solo. E assim vão adquirindo certa profundidade, dia após dia. Passando por todos os tipos de terras encontradas em nosso solo, elas, então, encontram o lençol freático.
Quanto mais nos enraizamos na nossa própria fé mais encontramos pontos comuns com as outras crenças. Quando conhecemos profundamente nossa própria tradição vamos ao chamado “lençol freático espiritual” e lá nos encontramos com outras tradições que bebem do mesmo lençol freático: DEUS.
Para o teólogo Raimon Panikkar: “aquele que não conhece senão sua própria religião, não a conhece verdadeiramente. É necessário que se conheça ao menos uma outra religião diversa para poder situar em verdade o conhecimento profundo da religião professada”. Panikkar sinaliza a profundidade da experiência religiosa alertando que o diálogo inter-religioso é caminhar em solo sagrado e delicado, e”faz parte daquela peregrinação pessoal para a plenitude de nós mesmos, que se obtém ultrapassando as fronteiras de nossa tradição, escalando e penetrando nos muros daquela cidade onde não há templo porque a Iluminação é uma realidade, como se diz na última das Escrituras cristãs (Apocalipse 22:5).”
Posso dizer que, nesses últimos anos, as raízes do meu cristianismo tem se aprofundado a ponto de encontrar a Beleza do Mistério Divino nas diversas tradições que tenho encontrado e aprendido. Inspirada pelo meu Guruji Dayananda, Padre Bede Griffiths, tenho caminhado nessa senda do diálogo inter-religioso. Bede Griffiths uma vez disse: “Além de ser cristão, eu preciso ser hindu, um budista, jainista, zoroatrista, sikh, muçulmano e judeu. Só assim poderei conhecer a Verdade e encontrar o ponto de reconciliação em todas as religiões.”
O caminho do diálogo consiste em permanecer fiel a sua tradição de maneira profunda, mas se abrir para aprender a beleza e o valor espiritual das outras tradições. Raimon Panikkar disse uma vez sobre a sua viagem para a Índia: “Parti cristão, me descobri hindu e retornei budista, sem jamais ter deixado de ser cristão”.
Poderia dizer que as raízes do diálogo inter-religioso são: a abertura de coração, a humildade, a alteridade, a comunhão com o Divino, a esperança da unidade na diversidade e principalmente o Amor que perpassa tudo e todos. Como disse Claude Geffré: “a pluralidade dos caminhos que levam a Deus continua sendo um mistério que nos escapa.”.
Para saber mais sobre a temática do diálogo inter-religioso:
Teologia e Diálogo Inter-Religioso – Faustino Teixeira
Raimon Panikkar: a arriscada aventura no solo sagrado do outro – Faustino Teixeira
Os olhos do coração: a meditação na tradição cristã – Dom Laurence Freeman
Rio de Compaixão: Um comentário cristão ao Bhagavad-Gita – Bede Griffiths
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