Esse texto é continuação do As mulheres e o diálogo inter-religioso – Parte 1
Para retomar o pensamento do último texto é necessário relembrar a importância das mulheres nas religiões. Embora a religião seja em grande parte patriarcal (lideranças, rituais, teologias, tudo centralizado na figura masculina) são as mulheres que preservam a tradição no papel que restou para elas: no lar. Essa imagem de “mulher do lar” tem se tornado distante pela (tentativa) emancipação da mulher, porém, no campo religioso os avanços são mais difíceis. E então, como a mulher tem a voz na vida religiosa? E qual o papel dela na criação de uma religião mais ecumênica e mais dialogal?
Pretendo destacar aqui algumas mulheres que tem trabalhado nisso no campo da acadêmia e teologia na atualidade. A primeira delas que quero ressaltar é a que me inspirou a escrever esses textos e que conseguiu responder muitas inquietações através do seu livro Women and Interreligious Dialogue (Mulheres e o diálogo inter-religioso) que foi organizado por Catherine Cornille e Jillian Maxey. Ao pesquisar mais sobre as autoras uma delas sobressaiu ao meu interesse, muito provavelmente por termos interesses em comuns.
Catherine Cornille
Catherine estudou na Catholic University of Leuven, onde se graduou em Teologia e obteve seu Ph.D em Estudos Religiosos (Religious Studies). Fez o mestrado na mesma temática na University of Hawaii. É mãe de três filhos e leciona na Boston College, uma Universidade Jesuíta, desde 2000.
Seus interesses de pesquisa são variados: Teologia das religiões; Teologia comparada; Diálogo entre Hinduísmo e Cristianismo; Diálogo entre Budismo e Cristianismo; Múltiplas pertenças religiosas. Trabalha bastante na teoria sobre o diálogo inter-religioso e o fenômeno de inculturação e interculturação teológica. Leciona sobre essas temáticas e também sobre: Diálogo e apologética, mulheres nas religiões do mundo, religião e globalização, teologia comparativa e religiões pluralistas e a fé cristã.
De 2008-2012, Cornille organizou o Boston College Symposia on Interreligious Dialogue, muitos acadêmicos de diferentes religiões e de várias partes do mundo puderam estar juntos com um único foco: as questões fundamentais no diálogo inter-religioso. Ela também publicou diversos livros na temática do diálogo inter-religioso e também organizou uma séria de livros chamada: Christian Commentaries on Non-Christian Sacred Texts (Comentários cristãos a textos sagrados não-cristãos). E entre essas publicações está uma que eu ainda irei comprar: Song Divine: Christian Commentaries on the Bhagavad Gita (Som divino: Comentários cristãos ao Bhagavad-Gita.). É uma grande pesquisadora e expoente nessa área.
Chung Hyun-Kyung
Chung Hyun Kyung é uma teóloga coreana (prebiteriana) e professora de teologia ecumênica da Union Theological Seminary nos Estados Unidos, da qual possui o Ph.D. . Ela se bacharelou e fez o mestrado na Ewha Womans University em Seoul. É mestre em Divindade (Master of Divinity ) da School of Theology at Claremont
Em 1990 ela introduziu uma teologia asiática da mulher no seu livro Struggle to be the Sun Again (Luta para ser tornar o Sol novamente). Nesse livro ela interpreta o evangelho como uma mulher coreana, fala sobre a sua busca por significado na luta pela integridade da história de seu povo pela liberdade.
No ano de 1991 houve o encontro do Concílio Mundial de Igrejas (World Council of Churches). Ela discursou no encontro e foi acusada de sincretismo, por combinar os ensinamentos cristãos com elementos de outras tradições. Sua resposta para essa acusação foi digna:
“Se eles me perguntam, “Você é sincrética?”, eu digo, “Você está certo, eu sou sincrética, mas você também!”. Minha resposta é que eu sei que sou sincrética, mas você não sabe que é sincrético porque você tem um poder hegemônico… Culturas não cristãs, quanto tentam interpretar o evangelho foram da experiência deles, eles acusam de sincretismo! Mas eles só estão sendo verdadeiros a sua própria identidade, história e cultura. Sincretismo é um dado. Como alguém já disse: ” Todo o movimento cristão é um movimento sincrético.” (ZH Interviews)
- A teóloga Chung Hyun Kyung é identificada com a teologia Minjung.
“A “Teologia Minjung” é uma “teologia em solidariedade com o Minjung” ou uma “teologia do Minjung”. O termo sino-coreano de difícil tradução poderia ser traduzido em termos coloquiais como “povo/povão/plebe”. Ao usar esse termo a Teologia Minjung, entretanto, não pensa em um grupo específico de pessoas, mas na exclusão social na qual pobres se encontram com maior frequência que ricos e poderosos. Em determinadas circunstâncias uma pessoa pode ser considerada minjung num aspecto, e em outros, não. Quem estiver marginalizados em termos políticos, econômicos, culturais, morais ou religiosos faz parte do minjung naquele aspecto específico” (LIENEMANN-PERRIN, 2005, p. 102-103)
É nesse contexto teológico que a nossa teóloga faz parte. Seu discurso desafia os valores Ocidentais impostos ao Terceiro Mundo. Sua pesquisa e ensino incluem teologias feministas e espiritualidade da Ásia, Africa e América Latina, diálogo inter-religioso entre budismo e cristianismo, revoluções para mudanças sociais como também a história de várias teologias cristãs asiáticas.
Como é uma palestrante carismática, Kyung produziu uma série de oito partes para a TV Pública Coreana chamada The Power of Women in World Religions (O poder das mulheres nas religiões do mundo), foi uma série premiada na Coreia. Além de um vídeo no TEDxWomen. Suas publicações incluem inúmeros artigos e livros, como o já citado Struggling to be the Sun Again: Introducing Asian Women’s Theology; In the End, Beauty Will Save Us All: A Feminist Spiritual Pilgrimage, Vols. I and II (publicado em coreano); Letter From The Future: The Goddess-Spell According to Hyun Kyung (publicado em coreano).
Rosemary Radford Ruether
Rosemary Radford Ruether é um dos grandes nomes da teologia feminista. Ela nasceu em 1936 em Georgetown no Texas. Sua mãe era católica e seu pai da Igreja Episcopal. Assim, segundo Ruether, sua formação foi desde início muito ecumênica, pois veio de uma família muito plural: Católico Romano, Episcopal, Ortodoxo Russo, Quaker e Judeus. Essa é a mistura na qual ela foi inserida. Além das influências religiosas ela descreve que foi formada por um pensamento livre e humanista. Seu pai faleceu quando tinha apenas 12 anos e depois disso Ruether e sua mãe se mudam para Califórnia.
Sua formação é composta de um bacharelado em Filosofia na Scripps College em 1958, mestrado em História Antiga (1960) e Ph.D em Clássicos e Patrística (1965) na Claremont Graduate School, na Califórnia. Atualmente ela é professora de Teologia Feminista na Claremont School of Theology e leciona em mais duas universidades nos Estados Unidos. Ela é autora de muitos livros sobre feminismo, Bíblia e Cristianismo.
E como a teologia feminista pode contribuir para diálogo inter-religioso entre mulheres? Primeiramente é “promovendo a plenitude da humanidade da mulher” (RUETHER,2013, p. 12). A mulher não é vista como um ser humano pleno, muito menos como a imagem e semelhança do Deus judaico-cristão. Logo não pode ser a representação da divindade na terra. Então, Ruether propõe um “princípio profético” contra a forma patriarcal e subjugadora da mulher. O princípio profético não é algo marginalizado na Bíblia, mas sim algo que é um ponto central na fé bíblia. A denuncia das injustiças da fé e a renovação da visão (RUETHER. 2013, p. 12). Ao recuperar a plenitude da mulher no espaço religioso ela ganha uma nova força e voz nas estruturas patriarcais. E não apenas no cristianismo e judaísmo, mas também oferece elementos para a quebra de diversos patriarcalismos institucionalizados pelas religiões. Para ela “a teologia feminista é um discurso global e inter-religioso.” (RUETHER, 2013, p. 11)
No seu artigo, Women and Interfaith Relations: Toward a Transnational Feminism, Ruether destaca algumas mulheres que utilizaram a categoria do feminismo para (tentar) mudar e criticar suas próprias religiões em busca por uma igualdade de gênero. Esse é um importante artigo de Ruether que mostra a luta de mulheres para obterem vozes nas suas tradições. Riffat Hassan representa o islamismo e sua batalha para uma compreensão exegética igualitária e feminista dos textos do Alcorão. Judith Plaskow é a judia feminista que questiona os textos sagrados do Judaísmo e se pergunta: onde estão as mulheres na Torah? Para um budismo feminista temos Rita Gross que diz “O darma é tanto masculino como feminino” (GROSS, 1993, p. 207). As representantes das religiões que matriz africanas estão as sociólogas Oyeronke Oyewumi, que trabalha com a religião Yoruba, que conclui que não existia gênero no pré-colonialismo; e Ifi Amadiume, que alega que na África pré-colonial o matriarcalismo e patriarcalismo coexistiam e se complementavam. O Irã é representado pela Nima Nahigbi que trabalha com a temática do colonialismo e feminismo. E por fim, a Ásia é representada por Anna Loomba e Ritty Lukose, que editaram e publicaram em 2012 um livro sobre os feminismo do Sul da Ásia (Índia, Paquistão, Sri Lanka, Kashmir e Bangladesh).
O feminismo serve como ponte nas relações entre mulheres de diversas religiões. Pois, nenhuma mulher é plenamente livre até todas as mulheres serem livres. A opressão das religiões é algo a ser criticado e transformado. Não devemos deixar que a espiritualidade feminina morra por causa do patriarcalismo dominador. Rosemary Ruether deu voz a cada luta no seu artigo, gerando assim um diálogo inter-religioso social e abrindo os olhos dos leitores para a questão da alteridade.
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Bibliografia
CORNILLE, Catherine; MAXEY, Jillian. Women and Interreligious Dialogue. Oregon: Wipf and Stock Publishers, 2013.
RUETHER, Rosemary R. “Women and Interfaith Relations: Toward a Transnational Feminism” in CORNILLE, Catherine; MAXEY, Jillian. Women and Interreligious Dialogue. Oregon: Wipf and Stock Publishers, 2013.
ZH Interviews (Chung) Hyun Kyung. Disponível em
<http://www.zionsherald.org/Sept2003_interview.html> Acesso <30 de jun de 2016>.
Chung Hyun Kyung (c. 1955- ) Disponível em <http://www.feminist.com/ourinnerlives/wv_hyun_kyung.html> Acesso em <25 de jun de 2016>
LIENEMANN-PERRIN, Christine. Missão e diálogo inter-religioso. São Leopoldo: CEBI/EST/SINODAL, 2005.
GROSS,Rita M. Buddhism After Patriarchy : A Feminist History, Analysis, and Reconstruction of Buddhism. State University of New York Press, 1993.
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