Jesus de Nazaré, o judeu carpinteiro, nascido em Belém, foi um ser humano um tanto quanto peculiar. Essa peculiaridade e estranheza se dá ao fato que Jesus era imprevisível, ele era um homem incrivelmente livre. Com seu jeito singular, Jesus era o inesperado! Falava e agia de forma que surpreendia até mesmo seus próprios amigos. Desconcertava a todos com sua maneira única de ser.
O teólogo Paul Van Buren aponta que a liberdade de Cristo se manifestou de diversas formas no texto bíblico. Os evangelhos relatam da sua autoridade, mas também fala da sua afabilidade com os amigos e inimigos. Jesus, que era apresentado com um filho fiel, é aquele que ao mesmo tempo está livre das correntes familiares. Observa a vida religiosa com atenção, entretanto sente-se inteiramente livre para ultrapassá-las. O rabbí nazareno é aquele que quebra as durezas e limitações do título que lhe deram. Enquanto os escribas se apoiam na Lei e Tradição, ele agia na sua própria autoridade quando dizia: “Mas eu vos digo”.
“Jesus falou e atuou com a autoridade de uma liberdade única” (BUREN, 1968, p. 152). Sua vida é marcada por essa liberdade. Ele nada possuía e de nada se deixava possuir. Estava livre da ansiedade do futuro e da angústia do passado. Sabia viver o hoje. Para o nazareno, bastava cada dia o seu mal, pois quando se é plenamente livre nada pode afligir e tirar a paz. Como diz Paulo Brabo, “o sujeito era indomável”. “Quando se esperava que ele curasse o paralítico que conseguíramos descer a muito custo pelo buraco no teto, ele perdoava os pecados do infeliz” (BRABO, 2009, p.20). Ele se sentiu livre para agir no “lugar de Deus” perdoando os pecados, e além disso curou o paralítico de sua enfermidade.
“Não havia como fazer com que o Filho do Homem fizesse o que se esperava dele. O sujeito era indomável […] Quando se esperava que ele despachasse a prostituta que veio embaraçá-lo num jantar oficial, ele fazia com que apenas ela se sentisse à vontade. Quando se esperava que ele curasse o leproso antes de tocá-lo impunemente, Jesus fazia o contrário. Quando Pedro oferecia num único gesto um elogio e uma boa intenção, Jesus chamava-o de Satanás. Quando vinham dizer que sua família estava aguardando lá fora, Jesus esclarecia que sua família já o estava seguindo aqui dentro. Quando se esperava um mínimo de respeito para com os religiosos, ele garantia que as prostitutas chegavam ao céu antes deles.”(BRABO, 2009, p.20)
Jesus “parece ter estado tão livre de qualquer necessidade de estado social, que resistiu a todos os intentos dos outros para lhe imporem um estado social” (BUREN, 1968, p. 152). A preocupação de Jesus não estava sobre o que diriam dele se fizesse isso ou aquilo, e sim em assistir ao seu próximo com toda a atenção do mundo. Não queria se mostrar ou dar um grande espetáculo, mas antes, tratava a todos como seres únicos e não como “mais uma cura para a minha lista de milagres”, ou qualquer coisa do tipo. E essa é a característica mais marcante de sua liberdade: a extraordinária liberdade de estar livre para o seu próximo.
“Jesus foi um homem livre para ser compassivo para com o seu próximo, fosse quem fosse, sem nenhuma consideração para consigo mesmo” (COLOMER, 1972, p. 191). A verdadeira liberdade é aquela nos permite sermos realmente livres para os outros, e essa é a maior grandeza de uma vida livre. Inúmeros ensinamentos e exemplos Jesus deixou a seus discípulos sobre a liberdade, como em um serviço humilde de lavar os pés dos seus próprios discípulos. Jesus “foi um homem livre para se entregar aos outros, fossem eles quem fossem. Viveu desta forma e foi condenado à morte por ser este tipo de homem no meio de seres medrosos e defensivos.” (BUREN, 1968, p. 152).
O contato com uma pessoa realmente livre nos leva a duas reações: ou somos atraídos ou repelimos. Uma pessoa livre é um incômodo para os que não o são, pois sua atitude confronta a própria prisão. Até mesmo os discípulos de Jesus não compreenderam tamanha liberdade. E também não se libertaram com o seu exemplo. Nesse sentido, Buren diz que a formação de discípulos de Jesus foi um fracasso, já que estes ainda eram homens “medrosos e defensivos”. Por mais que Jesus compartilhasse da sua liberdade, ela era só sua.
“Podemos dizer que Jesus morreu e foi sepultado e que os discípulos eram então homens desanimados e desiludidos… Não há nenhuma base para dizer que estivessem à espera ou tivessem esperança de que iria acontecer qualquer coisa. Mas a partir do dia de Páscoa, podemos dizer que os discípulos eram homens transformados. Evidentemente que se encontravam dominados por qualquer coisa semelhante à liberdade de Jesus, convertidos em homens livres para arrostarem com a morte sem temor” (BUREN, 1968, p. 155).
Homens e mulheres que outrora fugiram da responsabilidade de suas crenças e escolhas, depois de sua partida obtiveram essa característica tão peculiar a Jesus: a liberdade. Experimentaram algo novo! Suas vidas mudaram na Páscoa, eles descobriram em Jesus o poder “de fazê-los livres” (BUREN, 1968, p. 163). Seus discípulos silenciosos se tornaram um estorvo ao sistema vigente, tanto político como religioso. “Os que não encontravam como argumentar com eles buscaram logo modos lícitos e ilícitos de silenciá-los. Finalmente Jesus estava sendo homenageado e seguido como convém, e para o mesmo destino.” (BRABO, 2009, p.20)
Após experimentarem tal liberdade seus discípulos a compartilharam com o próximo, assim como Jesus fizera com eles. Pode-se dizer que essa liberdade, da qual os discípulos experimentaram, começou a ser contagiosa. “Era uma liberdade que libertava” (COLOMER, 1972, p. 195). Jesus, como libertador, para os seus se tornava o ponto de compreensão de si mesmo e do mundo. “Ao contarem aos outros a história de Jesus de Nazaré fizeram-no como a história do homem livre que os fizera livre. É a história que proclamaram como a Boa Nova para todos os homens” (COLOMER, 1972, p. 195).
O Papa Francisco disse na Jornada Mundial da Juventude de 2016: “Um coração misericordioso se anima a sair da comodidade”. Jesus saiu da comodidade de uma vida religiosa e medíocre, sua misericórdia e liberdade o impeliram em direção ao próximo. E a cada instante sua vida e mensagem nos constrange a igualmente sair desse marasmo, religioso e político, e finalmente nos tornar livres e atuantes no mundo.
Bibliografia
BUREN, P. V. El significado secular del Evangelis, Barcelona: 1968
BRABO, P. 6 passos o que faria Jesus. São Paulo: Garimbo, 2009.
COLOMER, S. J., Eusebi, A morte de Deus, Tavares Martins, Porto, 1972.
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