Certo dia ela acordou e percebeu a finitude da vida. Lembrou de Kafka, e se sentiu meio um inseto, afinal, os insetos não vivem muito. E os humanos também não. Me disseram anos mais tarde que ela sonhara naquela noite com um labirinto, tal qual de Creta, e que no lugar do Minotauro, encontrara ela mesma, só que já sem vida.
Ao contrário do que muitos possam pensar ou sentir diante de um sonho um tanto quanto perturbador, ela se sentiu livre. Levantou da cama, preparou sua xícara de chá e foi ter um tempo de meditação. Acendeu o incenso de canela – adorava aquele aroma – e observou a pólvora ser consumida até sua extinção. Ah, o que é a vida, senão um incenso sendo queimado? Não, isso não é assustador – pelo menos no entendimento dela – isso é libertador. Lembrou que devemos trazer na memória aquilo que nos dá esperança e como uma epifania veio a seguinte frase em sua mente: Memento Mori. É muito fácil entrar em um estado de contemplação quando se observa um incenso. A fumaça criando figuras dançantes e logo escapando do nosso imaginário, o aroma inebriante, o kairós do fim, e as pequenas cinzas que ficam após essa experiência divina. Ah, o que é a vida, senão um incenso sendo queimado?
Depois do seu rito matinal ligou sua vitrola e colocou o disco dos Beatles – Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band – deitou-se em sua cama e ficou observando as árvores que apareciam em sua janela. Já quase meio sonolenta ouve de fundo o seguinte refrão de uma música já tão familiar: “Try to realise it’s all within yourself. No one else can make you change and to see you’re really only very small. And life flows on within you and without you.” Ficara perplexa por nunca ter notado a tamanha profundeza desse refrão tão cantado em sua boca.
Levantou depressa de sua cama para pegar seu caderninho de anotações e escreveu o seguinte:
“A finitude é a onda do mar. Cada onda é única mas se esvai no todo tão rápido quanto existe. Ir e vir. As ondas brincam. As pessoas não.”
Acendeu outro incenso de canela. Respirou seu aroma. E dormiu para tentar sonhar novamente com o labirinto, mas agora, no lugar do desespero de estar perdida, iria brincar no caminho até o centro. Afinal, o que é a vida, senão um incenso sendo queimado?