O olhar é uma escolha. Apenas olhamos quando nos convém. O olhar é a abertura para a experiência da realidade e diálogo. Olhos nos olhos. O olhar nos conecta para algo além de nós mesmos. Os evangelhos nos mostram que Jesus foi um ser humano com os olhos abertos para a sociedade e realidade.
Fechamos os olhos para orar. Não sei você, mas quando fecho os olhos e depois de um tempo os abro, vejo as coisas de uma maneira diferente. As cores de tornam mais vivas, há uma nitidez maior. Porém, há um certo incomodo de início. Permanecer no escuro às vezes é mais confortável do que ver as coisas como elas são. Talvez seja por isso que Jesus tenha dito que é a luz do mundo. O que outrora não víamos, agora, com sua vida em nós, podemos ver. Éramos cegos, mas agora vemos. Quando fechamos nossos olhos em oração, nossos olhos se abrem para a realidade.
Para a fé cristã fazer sentido ela deve estar enraizada na vivência profunda com o mundo. Os olhos que enxergam e mãos que agem. Imagino eu que o olhar de Jesus deveria ser de alguém atento. Pense comigo, ele olhou a multidão, teve compaixão e perguntou aos discípulos se tinha algo para alimentar aquela multidão que o ouvia. Ele olhava o pobre, as mulheres, os marginalizados. O olhar é uma escolha política. Desviar o olhar da realidade é a hipocrisia do cristianismo de quatro paredes.
Entretanto, só conseguimos olhar com clareza nossa realidade quando paramos. Quando nos aquietamos. Seguindo o exemplo de Jesus: quando saímos para orar. Temo uma militância cristã cega. Cega por seu fanatismo político, cega por pensar que irá “salvar” o mundo, cega por não compreender a máquina do Estado, cega por não ter uma sensibilidade na linguagem – termos e conceitos -, cega por vezes repetir o que tanto condena, cega por criar guetos de pensamento e não uma comunidade plural, cega por só enxergar apenas por seu viés ideológico e esquecer da dimensão da espiritualidade.
A oração-meditação-contemplação nos leva do irreal para o real, das trevas para a luz, como diriam os famosos ditos indianos. A realidade, por mais dura que seja, é a única coisa que temos e é pela transformação dessa realidade caótica que devemos lutar e permanecer despertos. A construção de uma nova realidade requer a sensibilidade de pensar novos modelos, estilos de vida e vivência de fé. Com nossos olhos abertos para a vida, podemos pensar, criar, gerar vida, cultivar o amor, alteridade e respeito.
Texto publicado originalmente da coluna espírito&atualidade em 10-07-2017.