Os sabores do diálogo inter-religioso

Em um contexto de construção de muros criar pontes é um ato necessário. O mundo tem vivido tempos sombrios, nos quais a violência, ódio e intolerância têm se tornado norma. A aversão do diferente tem promovido ações de violentas de negação da liberdade de ser no mundo. E esse discurso de ódio tem tomado as diversas camadas da sociedade, incluindo a religião.  O campo da religião se transformou em uma batalha das “certezas” gerando mais muros, mais divisões e menos diálogo. No lugar de partilha dos pontos comuns, as religiões insistem em focar nas diferenças de crenças e ritos, dando espaço para que grupos fundamentalistas de diversas tradições destilem intolerância daqueles que não pertencem a mesma “ortodoxia”.

A religião confinou seus fiéis a uma só experiência mística, e aqueles e aquelas que se aventuram e se aventuraram em caminhos diversos são considerados divergentes da Tradição, hereges, não-pertencentes mais a religião. O caminho da mística é uma peregrinação daqueles e daquelas que entendem que a experiência divina não está presa à uma forma cultural e religiosa. É preciso caminhar.

Nesses caminhos um novo se faz, novos mapas são encontrados, novos temperos, sabores e saberes se somam, e proporcionam a oportunidade de partilhar os caminhos já percorridos, receitas já testadas, temperos da terra onde se partiu. Uma troca riquíssima acontece quando os caminhantes se encontram e se abrem para uma convivência significativa. Nessa mesa de sabores os saberes são adquiridos, a partilha é feita, a degustação do novo é uma explosão no paladar, é necessário a atenção as texturas, a ardência, aos condimentos, como tudo se entrelaça em um sabor inexplicável, é possível sentir cada tempero, cada ingrediente, tudo o que é preciso é de atenção. Atenção essa que é o respeito por estar diante de um novo prato colorido e delicioso, a prasāda – graça de Deus, experimentada pela boca e que alimenta o espírito.

Falar de diálogo inter-religioso – ou diálogo interfé – é falar de sabores que se adquirem em cada encontro. É falar de relacionamento. Relacionamento, segundo Catherine Cornille (2008) pautados em

a) humildade: os diálogos inter-religiosos só alcançarão seus objetivos quando os participantes tiverem humildade sobre o que já sabem através da sua própria tradição religiosa e reconheçam que há sempre mais para aprender. Cornille chama isso de “humildade doutrinal”: por mais que uma doutrina ou crença verdadeira, ela nunca pode contemplar todas as facetas da verdade.  A religião lida com essa verdade transcendente, que nenhuma mente ou sistema humano consegue captar em sua plenitude. Os sabores da verdade são variados, diversos e infinitos. (CORNILLE, 2008, p. 9-58) ;

b) comprometimento: Cornille fala sobre o comprometimento com a própria tradição é um ponto crucial para um diálogo inter-religioso frutífero, pois muitas religiões não tem essa abertura do diálogo inter-religioso, então, se faz necessário que aquele ou aquela que mergulhe nas águas do diálogo inter-religioso partilhe com sua comunidade de fé os frutos desse diálogo e como a sua própria tradição lida com ele (CORNILLE, 2008, p. 59–94).. Para Faustino Teixeira é a dimensão que o diálogo inter-religioso deve “marcado pela autenticidade e pelo respeito à identidade de cada tradição” (TEIXEIRA, 2010) e assim “favorece o aprofundamento da própria fé e a sua abertura para novas dimensões” (TEIXEIRA, 2010);

c) interconexão: Cornille aponta que é necessário que os participantes no diálogo inter-religioso tenham a clareza que suas tradições se interconectam com outras tradições, que é preciso encontrar esse ponto de interconexão entre elas para compreender e desafiar um a outro.  As religiões não podem ser comparadas, mas elas são interconectadas por essa Realidade Última (CORNILLE, 2008, p. 95–136);

d) empatia: o diálogo inter-religioso deve ser uma experiência pessoal, internalizada. Cornille compreende que ao entrar no diálogo inter-religioso é preciso muito mais que a racionalidade, mas requer uma sensibilidade dos corações para realmente aprender de outras tradições. Para Cornille o aprendizado inter-religioso é uma combinação entre afetividade e conhecimento intelectual (CORNILLE, 2008, p. 137–176);

e) hospitalidade: o último ponto que Cornille destaca é a hospitalidade, ela aponta que essa virtude é o fundamento entre todos os outros, ela diz que é “a única condição suficiente para o diálogo” (2008, p. 177). Pode parecer uma condição simples, porém é desafiadora, pois é necessário estar aberto para receber os dons da verdade e discernimentos novos e diferentes, e reconhecer que a verdade é uma verdade mesmo sendo diferente da tradição pertencente e aprender, corrigir ou aperfeiçoar a própria verdade. A hospitalidade torna o diálogo empolgante, mas também ameaçador. A menos que estejamos realmente abertos a ser ameaçados, não poderemos dialogar (CORNILLE, 2008, p. 177-210).

Ao entrar no território do diálogo inter-religioso é necessário tirar as sandálias dos pés em respeito aos lugares sagrados do coração. Participar dessa mesa inter-religiosa é aperfeiçoar cada uma das características citadas por Catherine Cornille, é a celebração das diferentes cores e sabores religiosos, tudo com o respeito do chão sagrado do outro. Essa tarefa se torna importante em um momento de que as diferenças não são celebradas, mas são oprimidas e violentadas.  A celebração da diferença e das pluralidades é um ato de resistência contra as políticas de violência e exclusão vigentes.

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CORNILLE, Catherine. The im-possibility of interreligious dialogue. New York: Crossroad Publishing Company, 2008.

TEIXEIRA, Faustino. Peregrinos do diálogo. in < http://fteixeira-dialogos.blogspot.com.br/2010/04/peregrinos-do-dialogo.html > 2010

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