Dom Henri Le Saux, também conhecido como Swami Abhishiktånanda (1910-1973), nasceu em St. Briac em Bretanha, na França, em 1910. Nascido em uma família católica, sempre foi incentivado a seguir a vida religiosa, se tornando monge aos 19 anos, em 1929, e assim como Monchanin, sempre foi movido pela busca de algo “além” (BELTRAMI, 2013, p. 31). Na abadia beneditina de Kergonan, Le Saux foi ordenado padre em 1935, passando a servir como bibliotecário no mosteiro, o que facilitou a leitura da tradição católica grega, dos Padres do Deserto, do misticismo apofático. Lecionou direito canônico no mosteiro, entre 1946 a 1948 (VALERA, 2007, p. 8). Já em 1934, “ele havia percebido que ir para Índia significava encontrar sua vocação de vida” (VALERA, 2007, p. 8). No ano de 1947 ele envia uma carta ao bispo de Tiruchirapalli, em Tamil Nadu, pedindo uma autorização para ir à Índia. Quem respondeu a carta em nome do bispo foi Jules Monchanin, que encontrou as respostas de suas inquietações, e encorajou Le Saux para se juntar a ele (VALERA, 2007, p. 9).
Em 1948, Henri Le Saux chega à Índia. Seu objetivo era buscar uma relação mais íntima com o Absoluto. E então, Le Saux e Monchanin fundam o Saccidananda Ashram, às margens do rio Kaveri, em Tamil Nadu. Na busca de um cristianismo indiano, Le Saux, assim como Monchanin, usava as vestes cor de açafrão e mudou seu nome, e é o único do movimento do Shantivanam que é conhecido com o seu nome de iniciação de sannyasi, Swami Abhishiktånanda (BELTRAMI, 2013, p. 32).
Após fundadem o modesto ashram, os dois padres atravessam a Índia até Arunachala para visitar o guru Ramana Maharshi. Esse foi um momento importante para a experiência de Abhishiktånanda com o hinduísmo, encontro que impactou suas obras.
No sábio de Arunachala do nosso tempo, eu discerni o Único Sábio da Índia eterna, a contínua sucessão de seus sábios, seus ascetas, seus videntes; é como se a própria alma da Índia houvesse penetrado as maiores profundezas de minha aula e mantido com elas misteriosa comunhão. (BAUMER-DESPEIGNE, 1983, p. 313)
Nos anos seguintes da morte de Ramana Maharshi, Abhishiktånanda passou dois longos períodos em uma santa Montanha com muitas cavernas. Ele escreveu sobre a grande experiência mística enquanto estava em retiro em Arunachala (OLDMEADOW, 2004, p. 107) e afirmou que “verdadeiramente renascido em Arunachala sob a direção do Maharishi (STUART, 1980, p. 170). Ele também se tornou discipulo de Sri Gnanananda Giri de Tiruykoyilur, ele conta dessa experiência em dois livros Guru and Disciple (1967) e The Secret of Arunachala (1974). Após esse encontro com Gnanananda, Abhishiktånanda observa que sua lealdade automaticamente pertenceu ao guru, coisa que nunca havia acontecido com o padre (OLDMEADOW, 2004, p. 106)
Comprometido com a jornada interior, Abhishiktånanda se imergiu em uma profunda e transformadora experiência do Hinduísmo. O caminho que ele levou foi muito diferente do seu compatriota Jules Monchanin, porque a identidade europeia e cristã de Abhishiktånanda não foi construída com a noção de superioridade cristã, mas sim em sua vocação monástica (BELTRAMI, 2013, p. 32). Ele se mudou para Índia para evangelizar as pessoas, “mas logo descobriu ter natural afinidade com as práticas espirituais hindus e se encontrou cada vez mais atraído pelo hinduísmo como modo de perceber o mistério da natureza divina de Deus (BELTRAMI, 2013, p.32). Ele teve uma experiência profunda com Advaita, inclusive muito mais intensamente que Bede Griffiths, já em 1953 ele escreveu:
O que corrói tanto meu corpo quanto minha mente é isto: após ter encontrado na advaita a paz e regozijo nunca antes experimentados, viver com a apreensão de que, provavelmente, tudo que o latente cristianismo me sugere é, não obstantemente, verdade e, portanto, advaita deve ser sacrificada a isso… ao me devotar totalmente a advaita, se o cristianismo é verdadeiro, eu arrisco a me comprometer a um caminho falso pela eternidade (LE SAUX in du Boulay, 1953)
E em 1956:
Como, então, posso viver como cristão? É como se Tu tivesses me compelido do exato lugar, das profundezas do meu Eu, do meu mais interno cerne, no mais maravilhoso mistério da minha consciência, onde eu costumava Te adorar (LE SAUX in du Boulay, 1956)
Nos anos seguintes Abhishiktånanda foi gradualmente foi perdendo suas conexões com o Shantivanam (embora tenha continuado a visitar até a sua morte) e começou a passar mais do seu tempo sendo um errante sannyasi pelas montanhas do Himalaia (OLDMEADOW, 2004, p. 107). A convicção que levava era que a vida de renunciante/desapego era o ponto de encontro entre Hinduísmo e Cristianismo:
Acredite, é além de todo mistério de sannyasa que a Índia e a Igreja irão se encontrar, descobrir-se nas partes mais secretas e escondidas de seus corações, no lugar em que elas são verdadeiramente elas mesmas, no mistério de suas origens em que cada manifestação externa é enraizada e, a partir da qual, se desdobra. (Abhishiktananda, 1974, p. 162)
Em 1968 entrega o Shantivanam para o padre inglês Bede Griffiths, fundando um pequeno eremitério nas margens do Ganges em Uttarkashi nos Himalaias. Lá que foi mergulhando ainda mais nas profundidades das Upanishads. Também consolidou sua compreensão do sânscrito, tâmil e inglês, participando de inúmeros retiros e conferencias na temática do diálogo inter-religioso. A maioria de seus livros foi escrita aos pés do Ganges, lugar muito apropriado para tal. Faz alguns discípulos, e em 1971 recebe como discipulo o seminarista francês Marc Chadus. “No ano seguinte, em Rishikesh (no sopé do Himalaia), juntamente com o sannyasi hindu Swami Chidananda, em uma dupla cerimônia, iniciou Chaduc como monge cristão e sannyasi hindu” (VALERA, 2007, p.10)
Abhishiktånanda morre em 1973. Em sua doença final, experimenta novamente um “apocalipse interior”, “um despertar além de todos os mitos e símbolos” [7](BAUMER-DESPEIGNE, 1983, p. 327-328), fazendo-o retornar a uma das suas passagens preferidas nas Upanishads, que se encontra na Svetasvatara Upanishad, 111.8:“Conheci, além de toda a escuridão, aquela grande Pessoa de fulgor dourado. Somente através do conhecimento dele se pode conquistar a morte” (OLDMEADOW, 2004, p. 106).
A vida de Abhishiktånanda em si constitui sua maior obra. Na vivência do silêncio, em sua mais profunda interioridade, deixou como legado um grande tesouro – a sua autorrealização. Esse tesouro se expressava claramente em sua renúncia, simplicidade e gentileza com todos que estivessem dispostos a conversar e a ouvi-lo. Foi também um inalcançável escritor e deixou vários livros, cartas e artigos, inclusive muitos não-publicados (VALERA, 2007, p. 11).
Bibliografia
ABHISHIKTANANDA. 1974. Guru and Disciple. SPCK, London.
BAUMER-DESPEIGNE, The Spiritual Journey of Henri Le Saux Abhishiktananda, Cistercian Studies, 310-329. 1983
BELTRAMINI, Enrico. Modernity and its Discontents: Western Catholic Pioneers of the Hindu-Christian Dialogue. International Journal for History, Culture and Modernity, v. 1, n. 1, p. 21-52, 2013.
DU BOULAY, Cave of the Heart, p. 106, citação de 25 de Setembro de 1953 e 24 de novembro de 1956. Em Abhishiktananda, Ascent to the Depth of the Heart: The Spiritual Diary (1948-1973), ed. Raimundo Pannikar (Delhi: ISPCK, 1998), p.73, 171
OLDMEADOW, Harry. Jules Monchanin, Henri Le Saux/Abhishiktananda and the Hindu-Christian Encounter. Australian Religion Studies Review, v. 17, n. 2, 2004.
STUART, J.M.D. 1980. Sri Ramana Maharshi and Abhishiktananda. Vidjajyoti (April): 167-176.
VALERA, Lúcio. A ponte entre duas margens: a experiência inter-religiosa de Henry Le Saux – Abhishiktananda. Universidade de Juiz de Fora: Mestrado. 2007.