Os caminhos de Bede Griffiths

Esse artigo traz a trajetória de Bede Griffiths e seus caminhos. É traçado quatro sendas percorridas pelo padre Griffiths: Os caminhos da poesia; os caminhos da religião; os caminhos da Índia.

“Os caminhos da poesia” é a fase que compreende sua infância até os anos posteriores a seus estudos em Oxford, de 1906 a 1930. As lutas de sua família e o desempenho intelectual de Bede Griffiths são apresentados nesse ponto. Sua amizade com o teólogo protestante C.S. Lewis, que foi seu orientador nos estudos literários em Oxford, é de grande contribuição para a formação espiritual e intelectual de Bede Griffiths. Outra experiência que é levada em conta nesse período é a vivência com os amigos Hugh Walterman e Martyn Skinner em Eastington, na qual após a universidade e no caos político da crise e 1929, decidem viver uma vida ascética pautada na Irlanda, pautada nos estudos de filosofia, poesia e escrituras sagradas variadas. Essa experiência acabou guiando Bede Griffiths para os caminhos da religião.

O tópico “Os caminhos da religião” aborda a volta de Bede Griffiths para casa, seu envolvimento e serviço à comunidade com a Igreja da Inglaterra, sua decisão de se tornar católico e a acolhida de Igreja Católica Romana. Em 1932 ele entra em Prinknash Priory e assim inicia seu postulado e passa por todos os processos até sua ordenação em março de 1940. Esse período se inicia em 1931 até 1954, ano quem que publica sua primeira autobiografia chamada The Golden String.

A terceira fase leva o título de “Os caminhos da Índia”. Em 1955 Bede Griffiths parte para Índia na companhia de um outro padre chamado Benedict Alapatt, chega em Bombay em Abril desse mesmo ano. Em 1958 funda o Kurisumala Ashram com o padre Francis Mahieu e padre Alapatt em Kerala. A partir desses momentos da Índia, Griffiths experiência as tradições hindus e se dedica mais aos estudos de diálogo inter-religioso, escrevendo uma coleção de artigos entre 1955-1965 que foi publicado em 1966 como Christian Ashram. E em 1968 aceita o desafio de reviver o Shantivanam, fundado pelos padres Jules Monchanin e Henri Le Saux. “Os caminhos da Índia” aborda toda sua estadia na Índia até os últimos dias, com seu falecimento em 1993.

 Os caminhos da poesia (1906-1930)

Nascido próximo a Londres em 17 de dezembro de 1906, Alan Richard Griffiths, pertencia à uma família britânica de classe média e anglicana. Após o nascimento do caçula, seu pai faliu financeiramente, mudando completamente o padrão de vida da família, que era composta por mais três irmãos além de Griffiths. Quando menino, estudou no colégio público chamado Christ’s Hospital (TEASDALE, 1986, p. 60).

Se desempenho acadêmico sempre foi elogiável, e desde a infância foi encorajado a pensar e ler por si mesmo. Sua mãe notou seu peculiar desenvolvimento e aos quatro anos Griffiths começa lições de francês, aos sete aprendeu latim e aos nove anos aprendeu grego (GRIFFITHS, 1997, p. 5). Sua primeira iniciação à literatura foi com os poetas românticos Wordsworth, Shelley e Keats, que influenciaram até mesmo sua obra. Ele se empenhou nas obras completas de Jane Austen, George Meredith, Henry Fielding, Joseph Conrad e Thomas Hardy. Se perdeu nos dramas de Shakespeare, no Paraíso Perdido de Milton. Houve também o período que mergulhou na literatura russa, principalmente na obra de Tólstoi, Guerra e Paz, a qual nunca esqueceu, e também no Dostoevsky em Irmãos Karamazov, que o impressionou grandemente (GRIFFITHS, 1997, p. 6)

 Griffiths se desenvolveu no mundo das belezas e das tragédias mitológicas, como ele mesmo diz: “Era uma vida vivida na imaginação” (1997, p. 6). As leituras eram entrelaçadas com as caminhadas ao ar livre no interior da Inglaterra. A natureza sempre o encantou e encontrava seus sentimentos escritos na poesia de de Wordsworth: “Eu senti a presença… uma sensação sublime de algo muito mais conectado, cuja habitação está na luz do poente.” (WORDSWORTH in GRIFFITHS, 1997, p. 7)

Nesse contexto de leituras e intelectualismo, Griffiths teve sua primeira experiência mística, que marcou toda sua vida. Durante uma caminhada vespertina durante seu último estágio na escola, em 1925:

Ao brincar nos campos à noite, eu dei de encontro com um espinheiro. Ele estava todo florido e, claro, tinha um ótimo aroma doce. Eu estava completamente dominado pela sua beleza. Era como se eu nunca tivesse sentido ou visto alguma coisa daquele tipo antes. E, então, eu sentei-me embaixo de uma árvore, com o sol pondo-se sob os campos, e a cotovia se levantou dos meus pés e disparou no alto, cantando e cantando e, calmamente, então, desceu para descansar. (GRIFFITHS, 1997, p. 7)

Ele descreve com maiores detalhes essa experiência na sua primeira autobiografia chamada The Golden String:

Eu me lembro agora do sentimento de temor que tomou conta de mim. Eu senti-me inclinado a ajoelhar no chão como se eu estivesse na presença de um anjo. E eu mal ousava olhar para o céu porque era como se fosse nada mais que um véu perante a face de Deus (1954, p.31)

Em outubro de 1925, termina seus estudos na colégio e devido ao seu exímio desempenho consegue uma bolsa em Oxford. Griffiths escolhe ir para o Magdalen College, que segundo ele era o campus mais bonito e respondia a suas necessidades e orações (GRIFFITHS, 1997, p. 20). Viveu uma vida rigorosamente controlada nos gastos financeiros, mesmo com sua mãe ajudando em todas as suas necessidades durante esse período (PANDIKATTU, 2001, p. 26)

Logo no início se envolveu com o movimento estudantil “No More War”, foi apresentado ao movimento pelo amigo Frank Root, e se politizou nas bases do socialismo. “Tanto pelo contexto político. É suficiente dizer que nos preparou para o que estava por vir. Nós vimos a transição do socialismo para o comunismo e, então, a reação do fascismo e Hitler nos anos 30 (GRIFFITHS, 1997, p. 22). Na greve geral de 1926, na qual os mineiros pararam de trabalhar e reivindicaram seus direitos em relação ao trabalho, Griffiths ficou do lado dos mineiros. Ele e seus amigos estudaram o caso e acreditavam que os trabalhadores estavam corretos, entretanto, esse posicionamento não os fez populares em Oxford. (GRIFFITHS, 1997, p. 22). “Minha fé no socialismo e em qualquer forma de ação política declinou rapidamente assim que comecei a questionar o próprio caráter da nossa civilização” (GRIFFITHS, 1954, p. 31). Não era apenas a pobreza dos trabalhadores industriais que o perturbava, mas também o sentimento que a vida humana estava sendo empobrecida e degradada por ser privada daquela beleza que lhe pertencia por direito (PANDIKATTU, 2001, p. 26). Nesse período começou a questionar toda a civilização ocidental, comparando-a com o Império Romano e vendo os mesmos erros do passado, estava desiludido. Foram os livros de T.S. Eliot, Wasteland e The Hollow, que o conscientizou do colapso civilizatório.

Foi nesse período que conhece os dois grandes amigos, amizade que mantiveram até os respectivos falecimentos. Hugh Waterman e Martyn Skinner, juntos conversavam sobre poesia, beleza, filosofia, escritos de Keats, estética. Naquele tempo, segundo Griffiths, Oxford era dividida entre os atletas, que praticavam esportes, caçavam e aproveitavam a si mesmos, e os estetas – ele e seus amigos eram os estetas.  Griffiths disse que naquele tempo: “nossa era uma busca real pela beleza na vida, não era fantasia. A beleza na vida cotidiana e a beleza no conjunto da natureza. Então, essa religião da beleza realmente tornou-se uma religião para nós” (1997, p. 23). A influência de Root no socialismo e pacifismo, a de Martyn na poesia e a de Hugh no humanismo e no movimento romântico marcaram a vida de Griffiths.

Em seu terceiro ano, Griffiths, finaliza o estudo de filosofia clássica e se matricula no curso de literatura inglesa, pensando em estar mais perto da verdade que tanto buscava (PANDIKATTU, 2001, p. 26). E isso o levou a conhecer C.S. Lewis, que veio a ser seu tutor. Em 1928, ano em que se conheceram, Lewis ainda não era cristão, nem Griffiths. O encontro com C.S. Lewis teve grande influência na conversão de Griffiths ao cristianismo. Ambos partilhavam as experiências de descobrir o cristianismo através da literatura inglesa. Enquanto Griffiths se dedicava e se maravilhava com o movimento estético, Lewis era mais cético e rejeitava o movimento. Bede Griffiths relembra que naquele período eles eram totalmente opostos: “É frequente a maneira como opostos realmente enriquecem um ao outro. É assim que crescemos. Eu devo uma tremenda parte da minha conversão ao cristianismo a ele – na verdade, acredito que foi um processo mútuo. Nós compartilhamos um com o outro” (GRIFFITHS, 1997, p. 30).

Inspirado por Lewis, Griffiths se dedicou aos estudos de filosofia, caminhando entre os clássicos gregos, Aristóteles e Platão, se aventurando nas palavras de Descartes, e pela primeira vez lia Spinoza, que o afetou muito: “Eu acredito que estava fugindo do meu romanticismo e queria uma dose de razão pura […] pela primeira vez que comecei a criticar a minha experiência com Deus, beleza, amor e dar uma base racional a ela.” (GRIFFITHS, 1997, p. 31). Mas uma das coisas mais marcantes para Griffiths na leitura de Spinoza, era que o filósofo conciliava o intelecto com o amor, o que para Griffiths se tornou uma chave de leitura de mundo (1997, p 31). Lendo “Os princípios do conhecimento humano” de Berkeley, o fez compreender que há uma mente por detrás do Universo. “Isso foi uma tremenda ruptura. Particularmente a passagem em que ele fala: ‘algumas verdades são tão próximas e óbvias para a mente que o homem precisa apenas abrir sua mente para percebê-las” (GRIFFITHS, 1997, p. 32). Também estudou brevemente Hobbes, Locke e Hume e então fez um estudo dedicado ao livro Crítica da Razão Pura de Kant. Com a ajuda da leitura de Coleridge, que foi recomendado por Lewis, Griffiths pode elaborar uma crítica mais concisa sobre Kant. Coleridge foi poeta e filósofo, Griffiths encontrou nessa junção as respostas para o seu problema de conciliar o seu romantismo com a razão (PANDIKATTU, 2001, p. 29).

Em minhas leituras, estava procurando, talvez meio-conscientemente, evidência racional para a existência daquilo que eu havia vivenciado na presença da natureza na escola e em Oxford. Mas eu estava tornando-me cada vez mais ciente das limitações de minha própria experiência. (GRIFFITHS, 1954)

O livro Confissões de Santo Agostinho foi um outro marco para a construção do pensamento de Bede Griffiths. Agostinho proporcionou a Griffiths uma visão da realidade profundamente filosófica e tocante (GRIFFITHS, 1997, p. 33). Retoma em seus escritos os versos do santo, quando diz: “Ó beleza tão antiga e tão nova! Tarde demais eu te amei!”. Para Bede Griffiths: “E isso é exatamente o que estávamos procurando. A beleza transcendente de tudo, a qual envolve completamente seu amor.” (GRIFFITHS, 1997, p. 33)

E foi nesse espírito que Griffiths começou a leitura da Divina Comédia de Dante Alighieri. E não foi o Paraiso que impressionou Griffiths, mas o Purgatório, pois para ele é a experiência que temos que passar, purificar nossas paixões nossas emoções (GRIFFITHS, 1997, p. 33). “Dante me ensinou como as emoções e paixões podem ser levadas para uma orientação interna da sua mente, vontade e propensas a Deus, ao transcendente” (GRIFFITHS, 1997, p.34). Para o padre a mente de Dante era melhor que a de Shakespeare e Milton (PANDIKATTU, 2001, p. 31).

Descobriu São Tomás de Aquino através de um amigo de C.S. Lewis, Owen Barfield. Lewis contou que tinha um amigo que havia terminado de ler Dante e agora estava estudando Aquino. E assim, mergulhou nas inúmeras páginas da Summa Theologica em Latim. (GRIFFITHS, 1997, p. 34; PANDIKATTU, 2001, p. 31). Para ele: “Aquino era um místico” (GRIFFITHS, 1997, p. 34). Ficou maravilhado com sua extrema inteligência e profundo amor.

E foi também nesse mesmo período que Griffiths leu alguns dos clássicos da filosofia Oriental, especificamente o Bhagavad Gita, o Dhammapada e o Tao Te Ching (TRAPNELL, 2001, p. 18).

A influência desses livros sobre minha vida foi, mais tarde, imensa e eu ainda olho para eles como os três maiores livros de sabedoria espiritual fora do Novo Testamento. Eu ainda possuo os três pequenos livros com as marcas que eu fiz na primeira vez que os li. Eles iriam agir como fermento em minha alma e colorir meu pensamento quase sem sabê-lo. (GRIFFITHS, 1954, p.64)

Após deixar a faculdade, ainda perdido sobre o que fazer da vida, Griffiths se junta aos amigos Hugh e Martyn para viver em uma comunidade simples em uma vila em Eastington, que segundo Griffiths, habitava de duzentas a trezentas pessoas (GRIFFITHS, 1997, p. 39). O ano de 1929 foi um ano de tensões políticas e econômicas por toda Europa: comunismo, facismo, nazismo, capitalismo. Ele e seus amigos decidem ir além dessa confusão

Uma vila simples, cercada de casas feitas de pedras, jardins e flores: “Aqui podíamos estar em contato com a beleza, com a sacralidade” (GRIFFITHS, 1997, p. 39). Além de uma vida simples, a rotina girava em torno de escritos literários do século dezessete e dezoito, quase nada de literatura contemporânea (século dezenove e vinte). Tinham em sua casa uma bela edição da Bíblia King James Versão Autorizada, em capa preta e letras góticas.

Griffiths começou a ler a Bíblia todo dia antes do café da manhã, uma sugestão de Hugh. Mas se voltava para as Escrituras pelo menos três vezes por dia. Ele achava fascinante as histórias de Abraão, Isaac e Jacó, e encontrava a mesma profundidade poética que a Ilíada e a Odisséia (PANDIKATTU, 2001, p. 33) “Nós liamos como literatura porque a literatura foi algo que moveu tanto seu coração como sua mente e envolveu todo seu ser” (GRIFFITHS, 1997, p. 42). E nesse período Hugh decidiu que começaria a rezar, o que levou Griffiths e Martyn a fazerem o mesmo. Se ajoelhavam e rezavam, Griffiths uma vez leu o Benedictus. E para ele, esse momento foi decisivo (GRIFFITHS 1997, p. 42). “Como experiência da alma penetrando por debaixo da superfície da vida e encontrando poderes escondidos que direcionam e controlam a vida, a Bíblia era poesia.” (PANDIKATTU, 2001, p. 33). Encontrando a poesia no livro de Jó, nos Evangelhos e nas cartas de São Paulo, foi descobrindo a Igreja.

As diferenças entre os amigos começaram a gerar tensões em Eastington. Griffiths se considerava mais austero, Hugh mais humano e Martyn entre os dois. Hugh sempre visitava sua família e uma dessas visitas ele conheceu a garota que se tornaria sua esposa. Cada um começa a pensar no futuro, nos planos e a comunidade se rompe e assim voltaram para suas casas: “Eastington certamente mudou minha vida. Embora a natureza e a poesia ainda fossem a base da minha vida, eles conduziram, através da Bíblia, para a descoberta da tradição cristã” (GRIFFITHS, 1997, p. 46).

Os caminhos da religião (1931-1954)

Depois de deixar Eastington, Griffiths tentou levar uma vida normal em sua casa, mas encontrou tremenda dificuldade. Então decide voltar para a Igreja da Inglaterra, e decide iniciar os estudos teológicos buscando a ordenação. Entretanto, um pedalando em direção a faculdade de teologia Cuddesdon College em Oxford, passando por Newbury, parou sob as colinas de Berkshire Downs: “Eu decidi que não conseguiria ficar com a Igreja da Inglaterra muito embora fosse cheia de músicas bonitas e adoráveis igrejas” (GRIFFITHS, 1997, p. 50).

No período inicial da abertura religiosa, foi um momento conflituoso e de muita tensão. Griffiths estava fascinado pela prática do jejum: “Eu sempre acreditei que, se eu jejuasse, orasse e meditasse, eu me fortaleceria mais e mais” (GRIFFITHS, 1997, p. 50). Porém, isso preocupava muito sua mãe e familiares, pois estava muito magro e fraco devido aos intensos jejuns.

Estudando a história da Igreja da Inglaterra, vendo a corrupção da Igreja, e descobrindo que a Igreja havia sido fundada pela Igreja de Roma, acendeu uma nova luz para ele. E a leitura de Apologia Pro Vita Sua de Newman foi inevitável, pois ele seguiu o mesmo caminho que Griffiths estava trilhando. E assim, decidiu visitar a Igreja Católica Romana, e isso foi um grande problema para Griffiths e sua família:

Eu me lembro de que minha mãe disse uma vez que nada daria a ela dor maior do que alguém que ela amasse viesse a se tornar católico romano. Eu mal sabia que eu, a quem ela amava tanto, seria a causa dessa dor para ela. (GRIFFITHS, 1954, p. 97)

Na sua vila havia apenas uma família católica, e sua família os considerava como estranhos. Era um grande passo pensar na Igreja Católica Romana. Porém, quando visitou a igreja em Newburry se sentiu decepcionado pela missa, a atmosfera não o agradou: “a questão sobre o purgatório e orações por pessoas no purgatório me aborrece” (GRIFFITHS, 1997, p. 51).

Nessas crises de fé, o reitor da Cuddleston o aconselhou a passar um tempo em Londres na Bethnal Green Mission. Passar um tempo nas favelas de Londres, na vida cotidiana das pessoas, foi importante para Griffiths. Entretanto, a vida na cidade o oprimia, tentava encontrar paz indo aos museus, galerias de arte, igrejas, mas nada o satisfazia. Então, um dia decidiu que passaria a toda noite em oração.  Ele havia comprado o livro do Bispo Kent, um dos bispos do século dezessete que lutava pela tradição da igreja da Inglaterra. E então, Griffiths leu sobre a importância do arrependimento. “Ele percebeu que, em todo entusiasmo e fervor que tinha pelo espiritual, ainda havia intenso egoísmo nele” (PANDIKATTU, 2001, p. 37) Nessa oração noturna, entre a vigília e sono, a racionalidade e o irracional, percebeu que a razão era um dos obstáculos de sua fé e teve uma visão:

Eu me lembro de ver claramente uma vívida imagem de Cristo no jardim de Getsêmani encarando a escuridão e a morte. Foi uma experiência real de morte. Eu acho que levantei de manhã por volta das sete. Eu não sabia o que fazer. Senti-me completamente sozinho e desamparado. Ouvi, então, uma voz, nem um pouco externa. Algo íntimo, de dentro: “Você deve ir a um retiro”, e eu tenho praticamente certeza de que eu não sabia o que um retiro era. (GRIFFITHS, 1997, p. 53)

Após a experiência mística, e ainda meio receoso, foi para sua cama e abriu o livro Noite Escura da Alma de São João da Cruz, foi quando as palavras saltaram das páginas e leu: “Eu o guiarei por um caminho que você não conhece para a câmara secreta do amor.” (GRIFFITHS, 1997, p. 53). Ele ainda não sabia o significado real do “arrependimento”, ainda estava ligado a Igreja da Inglaterra, e então perguntou aos líderes se havia algum lugar em que podia fazer algo parecido. E soube da Westminster House, um lugar que pertencia aos Colwey Fathers. E como consequência dessa noite escura da alma de Griffiths, ele decide ir pela primeira vez ao confessionário. Foi um ponto marcante em sua trajetória:

Eu senti arrependimento tremendo, um sentimento de que tudo que eu havia feito estava errado de alguma forma. Eu estava cego, como um homem tateando o seu caminho quando, de repente, a luz surge. Então, foi uma experiência extraordinária. Eu chorei. Eu nunca havia chorado dessa forma antes ou desde então. Limpou meu coração completamente. Foi uma experiência de conversão irresistível. (GRIFFITHS, 1997, p. 54)

Muitas questões passavam pela mente de Griffiths nesse período: “É a Igreja de Roma correta? Ou a Igreja da Inglaterra? Ou o cristianismo? Ou o budismo?” (GRIFFITHS, 1997, p. 56) Passava meses orando e jejuando para encontrar respostas para essas perguntas, bebendo dos místicos e místicas do Cristianismo, como Santo Antônio, São Basílio de Cesareia, São Gregório Nazianzeno, mas ainda não encontrava a paz. Em sua autobiografia relata:

Por fim, eu fui reduzido a desespero. Eu fui para a cama com uma grande angústia na mente e, assim que eu levantei pela manhã, comecei a pensar no que eu poderia fazer. Então veio à minha mente de que eu deveria voltar-me para Deus e encontrar a sua vontade, custe o que custar. Eu havia presenciado o poder de Deus na minha vida. A partir do momento em que essa revelação veio a mim na escola, eu senti que havia sido guiado por uma providência definitiva. Agora eu havia determinado fazer o que um impulso desconhecido havia me incitado a fazer o tempo todo, a orar sem reserva e não sair dos meus joelhos até que eu recebesse uma resposta. Eu me fechei em um pequeno armário que dava para um quarto onde só havia a luz do céu. Então, eu me imaginei aos pés da cruz e comecei a orar com toda minha força. Imediatamente, eu parecia ser carregado por uma grande onda de oração e perdi a consciência de todo resto. Parecia que uma resposta veio quase que imediatamente. Era tão simples… Eu não devo tentar viver como eu estava fazendo, mas começar a trabalhar no campo e entender meu propósito dessa forma. Isso foi revelado a mim com perfeita clareza e certeza. (GRIFFITHS, 1954, p. 114-116)

Quando se levantou da experiência, ele percebeu que ficou inconsciente por um período de tempo. Absorto em oração das 8:00 da manhã até as 16:00 da tarde, teve a certeza que algo aconteceu com ele a partir desse momento (PANDIKATTU, 2001, p. 42). E então, ele vai para a fazenda para trabalhar, dia após dia nos campos e cuidando das ovelhas, sua vida voltara ao normal. Se engaja na leitura de Newman em sua obra Development of Christian Doctrine. Quando Newman começou a escrever esse livro ele pertencia a Igreja Anglicana, mas termina sua obra como membro da Igreja Católica Romana:

Foi simplesmente o momento decisivo em que ele descobriu que a semente do evangelho havia crescido a partir do Novo Testamento, através dos pais, da história da Igreja, como uma semente transformando-se em uma árvore. Tinha uma continuidade, do início até o presente. Houve e há variações de todos os tipos, é claro, mas essa continuidade me convenceu. Então eu senti a necessidade de aderir a essa igreja. Eu não conhecia ninguém. Eu não conhecia nenhum católico. Eu fui à livraria e perguntei se havia alguma igreja católica em algum lugar e o homem me direcionou para esse monastério. Foi aí que minha vida monástica começou. (GRIFFITHS, 1997, P. 59)

A leitura de São Bede o preparou para esse momento de transição. Começou a descobrir que as igrejas na Inglaterra têm a origem de sua fundação em Roma. “Bede tornou-se um modelo para mim porque ele levava uma vida muito interessante […] Todo o mundo católico […] de alguma forma voltou a mim através de Bede. (GRIFFITHS, 1997, p.59).E assim se viu preparado para encarar a realidade concreta de suas escolhas.

Após conhecer o mosteiro de Prinknash Abbey, Griffiths passou seis semanas, a maior parte do tempo dedicada na biblioteca do mosteiro. O prior, naquele momento, se chamava Benedict Stuart. Todos os dias Griffiths o encontrava para conversas profundas sobre diversos assuntos. “Ele completamente entendia minha posição e o que eu realmente estava buscando depois” (GRIFFITHS, 1997, p. 60). Tudo em Prinkanash Abbey o encantava: os cantos gregorianos, o silêncio, as orações e foi aprendendo mais e mais sobre contemplação. Finalmente, foi recebido na Igreja Católica Romana no Natal de 1931, e fez sua primeira comunhão na missa da meia noite na pequena Igreja de Winchcombe (PANDIKATTU, 2001, p. 44).

Em menos de um mês após sua recepção na Igreja Católica, Griffiths entra para o mosteiro beneditino e tenta sua vocação como monge. Após um ano como postulante, no lugar de seis mesmos como o comum, em 20 de dezembro de 1933, ele se tornou noviço. O nome monástico dado a Griffiths foi Bede, desde que a história de São Bede que o inspirou e teve um significado profundo para sua trajetória e escolha. Ele fez uma a profissão simples depois de um ano, em 21 de dezembro de 1934 e sua profissão solene seguiu em 21 de dezembro de 1937 e em 1940 é ordenado ao sacerdócio (PANDIKATTU, 2011, p. 45).

C.S. Lewis o visitou enquanto estava como monge em Prinknash Abbey. Conversaram e Lewis também conversou com o seu prior. Eu não consigo me lembrar exatamente do que ele disse, mas ele sentia que o prior devia ter uns momentos difíceis comigo, com a força do meu ego, o que se tornaria um grande problema. (GRIFFITHS, 1997, p. 65). Estar sob o voto de obediência foi para Griffiths um desafio, porém algo que, segundo ele, trouxe maturidade para lidar com as escolhas, não seguindo o ego, mas sim o centro interior de si mesmo (GRIFFITHS, 1997, p. 66).

Um pouco depois da sua profissão solene, sua mãe falece. Em sua autobiografia descreve o último encontro com sua mãe:

Eu fui vê-la quando ela estava deitada inconsciente no hospital e, embora eu nunca pudesse falar com ela novamente, eu não senti a noção de separação. Nós já estávamos separados há muitos meses, não só no espaço, mas também em pensamento. Mas, enquanto eu ajoelhava a seu lado, eu sabia que estava unido a ela nas profundezas do meu ser, onde nem o tempo, o espaço, a mudança ou a incompreensão poderiam ter lugar. Pois ela morrer significava passar por esse mundo de sombras, além do pensamento, do sentimento e do sentido para o santuário íntimo de verdade e amor onde, um dia, nos uniríamos para sempre. (GRIFFITHS, 1954, p. 146-147)

Sua vida no mosteiro foi uma vida de contemplação. “Griffiths entende contemplação como um hábito da mente que permite à alma permanecer em um estado de retiro na presença de Deus, qualquer que seja o trabalho com o qual estejamos ocupados.” (PANDIKATTU, 2001, p. 45). A vida contemplativa mudou o seu estilo de vida completamente.

Um fator de grande importância na vida de Griffiths foi seus estudos preparatórios para o sacerdócio, estudos filosóficos e teológicos. Algumas obras marcaram sua vida, como The Sprit of Medieval Philosophy de Etinne Gilson Degree of Knowledge de Maritain. Pandikattu destaque que o livro que o ajudou a ter uma síntese saudável entre ciência moderna e filosofia com a filosofia tradicional do cristianismo foi E.I. Watkin com a obra Philosophy of Form (2001, p. 45). Christian Dawson o ajudou a pensar a relação de Cristianismo com outras culturas. Outros igualmente citados e apreciados por Griffiths foram Spengler e Arnold Toynbee. Da mesma maneira, um livro que influenciou bastante Griffiths nesse período foi uma obra do padre Johann, To Christ through the Vedanta. Apreciou a apresentação do Evangelho de João feita pelo Dr. Wu, que se tornara cristão: “No princípio era o Tao e o Tao era com Deus e o Tao era Deus” (GRIFFITHS, 1954, p. 147; PANDIKATTU, 2001, p. 45).

De acordo com Griffiths, ser cristão implica em aceitar a responsabilidade de um pelos outros: até pelos pecados do outro. Ser monge é tomar deliberadamente o fardo dessa responsabilidade e buscar compartilhar no sofrimento de Cristo por conta do Seu corpo, que é a Igreja. (PANDIKATTU, 2001, p. 45)

Griffiths permanece em Prinknash Abbey por quinze anos, até 1947, que quando foi oferecido um mosteiro para que ele fosse o prior. St. Michael’s Abbey ficava em Farnborough, que se localiza em Hampshite. Pertencia a uma congregação francesa (Solesmes). Ficou poucos anos em Farnborough, embora tenha considerado uma boa experiência (GRIFFITHS, 1997, p. 66). Entretanto, em 1951 é convidado para ser mestre dos noviços em Elgin, na Escócia, no mosteiro de Pluscarden Abbey. E em 1954 sua primeira autobiografia é publicada, The Golden Strings. Em sua autobiografia, Griffiths destaca suas experiências espirituais ocorridas durante as orações, algumas descritas nessa breve biografia, sua profunda experiência com a natureza, sua infância e fatos que marcaram sua vida.

Os caminhos da Índia (1955-1993)

Para Griffiths, uma das pessoas responsáveis por sua ida à Índia foi Toni Sussman. Ela era uma das seis discipulas de Jung. Ela e seu marido, que era judeu, se mudaram para a Inglaterra no período que Hitler estava no poder e se estabeleceram em Londres. Sussman era analista jungiana e praticava meditação, sua biblioteca era repleta de livros sobre a espiritualidade oriental, para Griffiths: “ela realmente abriu para mim o todo o mundo indiano. Gradualmente, a Yoga e o Vedanta tomaram lugar central em minha vida” (GRIFFITHS, 1997, p. 68). A influência jungiana se vê presente em toda a obra de Griffiths.

Caminhando nessa direção de estudos, Griffiths conhece o padre Benedict Alapatt, um monge beneditino indiano de Kerala. Em 1955, com a permissão do Prior de Prinknash, Griffiths parte para a Índia acompanhado de seu amigo padre Alapatt, com o objetivo de fundar um mosteiro beneditino. Após a rápida passagem em Bombay e Poona, Griffiths e Alapatt partiram para Bangalore, onde o arcebispo os recebeu. Foi nessa viagem que conheceu o teólogo Raimundo Pannikar, estudavam juntos sânscrito.

[Pannikar] representa de maneira singular esse encontro do Oriente com o Ocidente. Sua mãe era católica espanhola e seu pai provinha de renomada família hindu. Fora educado na Europa, havia se formado em ciências, filosofia e teologia, e habia retornado à Índia para descobrir sua herança indiana. Juntos pesquisávamos essa cultura indiana que agora começava a se desdobrar diante de meus olhos. Passamos várias semanas juntos visitando os templos no antigo estado de Misore (GRIFFITHS, 2000, p. 10)

Pouco tempo depois da chegada à Banglore, os padres começaram a procurar um lugar para fundar o mosteiro. Encontraram um lugar perto da vila de Kengeri. Compraram o lugar e mobiliaram. Naquele momento ainda viviam de maneira ocidentalizada:

Nessa época, embora quisesse continuar meus estudos sobre o pensamento indiano, não tinha ideia de mudar nosso estilo de vida. Vestíamos o hábito beneditino tradicional. Construímos uma capela no estilo ocidental, com cadeiras e estantes de leitura. Fazíamos as refeições sentados à mesa, com colheres, facas e garfos. Nossas celas eram mobiliadas com simplicidade, tendo camas de madeira e colchões e palha, uma mesa, uma cadeira e uma prateleira para roupas e livros. Foi apenas gradualmente que descobri que quase todas essas coisas eram luxos desconhecidos na aldeia próxima. Algumas pessoas ricas poderiam ter mesas e cadeiras e mesmo um rádio ou um toca-discos, mas a maioria dos residentes da vila geralmente se sentava no chão, comia com as mãos servindo-se numa folha de tanchagem e dormia numa esteira estendida no chão (GRIFFITHS, 2000, p. 10)

Na pequena capela, mas da maneira ocidental, porém, já iniciavam os estudos das Upanishads, Bhagavad Gita e outras práticas orientais. Começaram a construir uma comunidade com os locais, e Griffiths começou a compreender a importância do diálogo a partir dessa experiência. E logo começou a se envolver em encontros de católicos engajados no diálogo com o Hinduísmo. Nesses encontros também haviam representantes de outras tradições. Em um desses diálogos ele entrou em contato com dois padres franceses, que foram pioneiros no hindu-cristianismo, esse encontro provocou diversas mudanças para o futuro de Griffiths: Jules Monchanin (1895-1957) e Henri Le Saux (1910-1973). Griffiths ficou tocado pelo estilo de vida e exemplo desses dois sannyasis, que se vestiam o kavi de sannyasi hindu (PANDIKATTU, 2001, p. 47). Nesses dois pioneiros, Griffiths percebeu a renovação do trabalho começado por Nobili e Upadhyay. Ele ficou com os dois padres franceses no Shantivanam ashram (Saccidananda) em duas ocasiões, em 1956 e 1957, não sabendo que ele mesmo pegaria a tarefa de liderar esse ashram no futuro. Monchanin era devoto da Santíssima Trindade e Le Saux era fascinado pelo Advaita – dois pontos que guiaram o caminho de Griffiths no seu diálogo inter-religioso (PANDIKATTU, 2001, p. 47).

Seu primeiro ano em Banglore, na companhia de Alapatt, foi muito produtivo, intelectualmente e espiritualmente, suas publicações multiplicaram e também sua vontade de aprofundar mais no conhecimento místico da tradição hindu. Embora tenha considerado Kengeri uma ótima experiência, por inúmeras razões, o esforço de construir um mosteiro não foi bem-sucedido (GRIFFITHS, 1997, p. 72). “Os três anos que ele passou em Bangalore o tornaram mais sensível para a necessidade de uma integração mais completa dos costumes e estilo de vida indianos na vida monástica.” (PANDIKATTU, 2001, p. 47-48).

Em 1958, Griffiths conhece o padre Francis Mahieu, um monge cisterciense belga, que havia chegado à Índia em 1955, buscando a forma da vida contemplativa no contexto indiano. Ele passou dois anos vivendo no Shantivanam e queria continuar essa experiência. E então, Mahieu convidou para começar um ashram em Kerala, então, Griffiths se junta a Mahieu e Alapatt parte para outro ashram. Compraram um pedaço de terra em Kirusúmala e lá fundaram o ashram, ainda em 1958 (GRIFFITHS, 1997, p. 73)

Quando Griffiths, junto com Mahieu, começou a fundar o ashram em Kurisumala ele já havia compreendido que era preciso mudar radicalmente o estilo de vida, e adentrar-se na tradução autêntica da cultura indiana. Então, logo adotaram as vestes de sannyasi hindu, kavi, mostrando a vocação de renúncia e devoção. Griffiths também recebeu um nome de sannyasi: Dayananda, que significa “bem-aventurança da compaixão” (Griffiths raramente usou esse nome na sua vida, diferentemente de Henri Le Saux, que é mais conhecido como Swami Abhishiktananda). Além dos nomes e vestes, passaram a viver como verdadeiros sannyasis, tendo o hábito de apenas andar descalços, sentar no chão para refeições, dormir em uma esteira, então, puderam, de fato, aproximar-se da condição do pobre da Índia. Por meses moraram em uma choupana feita de folhas de palmeira, pois a construção de pedra ainda não havia ficado pronta. E passaram todo período das monções, intensas chuvas, na frágil cabana de folhas.

Serei eternamente agradecido por ter-me sido possível vivenciar parte das provações e também a alegria na simplicidade do pobre da Índia. Lembro-me de que, ao ver pela primeira vez as pequenas choças em que pessoas vivem nas aldeias, me perguntei como era possível que seres humanos vivessem em condições assim. A experiência me ensinou que a simples choupana de barro com um telado de palha, desprovida de móveis e de conveniências, é suficiente para todas as necessidades humanas básicas e pode proporcionar mais paz e alegria do que muitas casas ricas. Comecei assim a compreender o sentido das palavras do evangelho: “Bem-aventurados os pobres, bem-aventurado os que choram, bem-aventurados os que têm fome”. Os pobres da Índia sofrem e passam fome, mas a vida deles está imbuída de uma bem-aventurança que o mundo ocidental perdeu (GRIFFITHS, 2000, p. 16)

A liturgia usada em Kurisumala era do rito sírio, rito da maioria dos cristãos em Kerala. Como já explicado no primeiro capítulo, é voz corrente que o cristianismo foi levado à Índia pelo apóstolo Tomé e que Kerala seria um desses primeiros lugares a estabelecerem igrejas cristãs em tempos remotos. As evidências mais antigas apontam para uma Igreja que surgiu desde o quarto século. Disputas teológicas (nestorianismo e monofisismo) separaram a Igreja Oriental da Igreja Ocidental (GRIFFITHS, 2000, p. 16). Ao adotar o rito Malankara, como é conhecido em Kerala, eles puderam criar uma harmonia entre a cultura cristã local, a visão semita do mundo e a herança europeia que traziam consigo (PANDIKATTU, 2001, p. 48).

A liturgia, em grande parte, consiste em longas orações de grande beleza e solenidade e de cantos e hinos acompanhados de música solene e compostos em sua maioria na idade de outro da liturgia, entre o quinto e o décimo séculos. O sentido da majestade e da santidade de Deus impregna essa liturgia totalmente, fato típico do gênio semita presente tanto na Bíblia como no Alcorão (GRIFFITHS, 2000, p. 18)

Durante os seus dez anos vivendo e servindo o Ashram em Kurisumala, Bede Griffiths escreveu frequentemente sobre os aspectos culturais da liturgia na Igreja da Índia. “Ao reconhecer como a Igreja indiana era completamente ocidental, Griffiths veio a distinguir entre a verdade e as formas culturais nas quais a verdade é expressa” (PANDIKATTU, 2001, p. 48). Tal distinção entre verdade e formas culturais o acompanharia até o final da sua jornada intelectual e espiritual.

Griffiths sempre foi uma pessoa engajada nas causas sociais, desde seu tempo de universitário em Oxford. E as condições sociais provocavam muita apreensão. Apreciava a vida simples que tiver em Kerala e Bangalore, com a generosidade familiar e felicidade espiritual, porém encarava tais problemas com uma visão crítica. Nessa conjuntura, ele vem a conhecer Mohandas Karamchand Gandhi e seu discípulo mais próximo, Vinoba Bhave. As ideias de Gandhi a respeito da não-violência (ahimsa) e o movimento Sarvodaya atraíram Griffiths, principalmente pela prática espiritual e responsabilidade social que refletiam princípios cristãos e hindus acerca da sociedade. Nesse movimento ele encontrou a poderosa expressão “evangelho social”, um exemplo de como os valores do Oriente e Ocidente poderiam entrar em diálogo e transformar a sociedade (PANDIKATTU, 2001, p. 48-49). Veremos no próximo capítulo como Griffiths abordou a questão social dentro de sua teologia, nota-se a influência desse encontro em sua obra e toda a experiência com movimentos sociais durante sua juventude.

Em seu tempo em Kurisumala, seu foco continuou no diálogo inter-religioso e na contemplação no lugar de encontrar Cristo no contexto indiano. Continuou a participar de conferências e encontros que tentavam construir pontes entre a cultura ocidental e a religiosidade oriental. No ashram, conforme foi crescendo, Griffiths passou a ensinar e se envolver com estudos mais profundos sobre a tradição Hindu e Cristã. Seus estudos e pensamentos se tornaram depois um livro que foi publicado sob o título de Vedanta and Christian Faith (1973).  E mesmo ocupado com seus diversos trabalhos na Índia, é necessário mencionar que se manteve atento ao que estava acontecendo na sociedade e na Igreja na Europa, especialmente depois do Concílio do Vaticano II (PANDIKATTU, 2001, p. 49).

Então, nesse período, foi entendendo melhor o contexto hindu, a religião e a cultura, com o auxílio do movimento Savodaya, seus estudos de diálogo inter-religioso, e sua prática espiritual. Foi em Kurisumala que Griffiths começa a estudar yoga, como sistema filosófico e também como as práticas das posturas tradicionais, sob a orientação de um mestre de yoga, yogi, que o visitava regularmente. É interessante ressaltar que a prática que mais lhe interessava era a da kundalini yoga, que busca trazer o equilíbrio da mente e corpo, da energia feminina (shakti) e masculina (shiva). Buscava o equilibro da sua própria espiritualidade. No mesmo momento se aprofundou na meditação baseada na Oração de Jesus com a ajuda da yoga.

Enquanto isso Mahieu se dedicava ao estudo da liturgia no rito sírio. Embora o rito sírio fosse bem estabelecido em Kerala, Griffiths sentia que ainda assim era estrangeiro para os indianos, visto que foi originalmente fundado a partir das culturas do Oriente Médio. Griffiths estava procurando por uma cultura e tradição especificamente orientais, as quais complementariam as práticas e teologia predominantemente ocidentais. (PANDIKATTU, 2001, 49). Então, após dez anos em Kurisumala, Griffiths começou a se sentir desconfortável, precisava de algo que respondesse seus anseios intelectuais e espirituais.

Essa crise se sucedeu no mesmo período que o Shantivanam, em Tamil Nadu, precisava de alguém para assumir a liderança. Monchanin havia falecido (1957) e Le Saux queria viver nos Himalaias. O Kurisumala Ashram recebe o convite para que alguém assuma o Shantivanam. Mahieu estava bem estabelecido e queria continuar com o trabalho em Kerala, e então, Griffiths assume a responsabilidade de reviver a comunidade (GRIFFITHS, 1997, p. 74-75).

Embora feliz com o novo projeto, com apenas dois monges se transferiu para o Shantivanam. Griffiths conta que foi uma história um tanto quanto traumática, pois problemas começaram a surgir com um dos monges, e em menos de um ano esse monge pediu transferência de volta à Kurisumala. O outro monge, embora muito inteligente e dedicado, deixou o ashram pois queria se casar. Por dois ou três anos o Shantivanam ficou sem membros permanentes, apenas Griffiths. Depois de um tempo foi se achegando membros para trabalhar junto no ashram, como o discípulo de Monchanin, Stephen. Stephen foi com sua mulher e seus dois filhos ajudar a gerenciar o ashram. A família ficou até a chegada de dois novos monges, padre Amaldas e Christudas (GRIFFITHS, 1997, p. 78).

Foi em Shantivanam que Griffiths pode começar a viver uma autêntica experiência de ashram. Em Kurisumala, embora muitas coisas tenham sido negociadas, ainda funcionava na lógica de mosteiro beneditino. E um ashram não funciona como uma comunidade monástica.

Um ashram é um grupo de discípulos reunidos em torno de um mestre, ou guru, que se encontrar para partilhar a vida de oração, a experiência de Deus, do guru. A vida, portanto, não se centra na oração em comum da liturgia, mas na prece pessoal de cada membro. É a hora da meditação ao amanhecer a ao pôr-do-sol, o período tradicionalmente dedicado à meditação na Índia, que forma a base da vida, a comunhão silenciosa com Deus; a oração em comum da comunidade é como um transbordamento disso (GRIFFITHS, 2000, p. 20).

No capítulo um abordamos mais precisamente o funcionamento do Shantivanam ashram e as mudanças que ocorreram após a ida de Griffiths para lá. Mas cabe ressaltar que em suas mãos o Shantivanam floresce no cultivo da terra e dos relacionamentos com as vilas próximas, enquanto a visão espiritual era de um “ecumenismo genuíno” (GRIFFITHS, 2000, p. 17). Griffiths teve a chance de remodelar o Shantivanam da maneira que lhe cabia, com um senso tradicional indiano do que um ashram deveria ser (PANDIKATTU, 2001, p. 50).

A nova vida no Shantivanam o levou a um profundo diálogo entre as religiões e culturas, mais do que Kurisumala. Um diálogo que amadureceu internamente e externamente. Essa nova experiência atraiu grande número de visitantes, especialmente estrangeiros, o que levou a abrir ainda mais o diálogo indo além do próprio hinduísmo e da cultura indiana, mas também da própria pluralidade da cultura ocidental. Nos anos 70 seus escritos amadureceram e aumentaram. Escreveu quatro livros e inúmeros artigos entre 1976 e 1987. Em 1980 recebe uma visibilidade maior, o que possibilita dar uma série de palestra em diversos lugares do mundo. Em 1982 o ashram é oficializado como pertencente a ordem dos Camaldulenses (PANDIKATTU, 2001, p. 52; GRIFFITHS, 1997, p. 82-83).

Em janeiro de 1990 sofre mal súbito enquanto meditava durante a tarde. Sentiu uma terrível dor na cabeça, como se fosse uma pancada, e perdeu os sentidos. O monge Christudas o encontrou por volta de meia hora depois. Por uma semana não conseguia falar e pensava que morreria, então, começou a se preparar para a morte, porém começou a melhorar.  Nesse período de repouso, Griffiths, experenciou uma profunda crise espiritual:

Eu tomei café da manhã e, então, senti-me inquieto, perturbado, sem saber propriamente o que estava acontecendo. A inspiração veio novamente de repente para me render à Mãe. Foi bem inesperado: “Renda-se à Mãe”. E então, de alguma forma, eu me rendi à Mãe. Logo tive uma experiência de irresistível amor. Ondas de amor fluíam em mim. Foi uma experiência extraordinária. Eu acho que, psicologicamente, foi um marco para o feminino. Eu era muito masculino e patriarcal e estava desenvolvendo a animosidade, o lado esquerdo do cérebro, todo esse tempo. Agora, o lado direito do cérebro – o feminino, o poder fônico, o poder terreno – veio e me acertou.  Quando pensei em me render à Mãe, […] era mais a Virgem Negra que vinha à mente. A mãe que é mãe da terra e dos céus – Mãe Natureza, como um todo. Eu também pensei na minha própria mãe e na maternidade em geral […] Eu posso enxergar como crescer em uma sociedade patriarcal e viver todo esse tempo do intelecto, esse [outro] lado havia sido suprimido. (GRIFFITHS, 1997, p. 89)

No mesmo ano seu discípulo, padre Amaldas, morre inesperadamente de um ataque no coração. Depois da recuperação de Griffiths, ele visita a América do Norte, e essa viagem contribuiu muito para sua própria vida. Após 1990, Griffiths visita regularmente a América com a intenção de contribuir e fundar uma série de comunidades contemplativas. Mesmo no final de sua vida, Griffiths era incansável de novas ideias e aventuras. “Seu ashram e sua própria vida são exemplos duradouros de transparência, criatividade e tentativas de integração que são nascidas da rendição em amor.” (PANDIKATTU, 2001, p. 55).

Com 84 anos, dois anos antes de sua morte, Griffiths ainda não conseguia conter-se a si mesmo; gastava energia com novos planos pelo mundo sempre com o objetivo da contemplação. Seu mal súbito o despertou para “um outro lado da alma”, como foi mostrado nas próprias palavras de Griffiths. A experiência com Shakti, energia feminina, o despertou para novas concepções acerca do divino. (PANDIKATTU, 2001, p. 56).

 Na ocasião de seu aniversário, no dia 17 de dezembro de 1992, Griffiths anunciou na presença de 2000 pessoas que seus dias na terra não durariam muito. No mesmo ano, em dezembro, sofre com um outro mal súbito, e no final de janeiro de 1993 a mesma coisa lhe acontece. Finalmente, em 13 de maio de 1993, às 16h30, com a idade de 86 anos ele dá seu último suspiro e entra no mahasamadhi. Seu discípulo e amigo mais próximo, padre Christudas, quem o seguiu por 30 anos com amor e devoção, estava ao seu lado (PANDIKATTU, 2001, p. 56).

A vida de Bede Griffiths passou por inúmeras transformações, de um agnóstico a um religioso, de um religioso a um sannyasi. Sua jornada inspira e continua inspirando. O caminho teológico e místico de seus escritos é o legado de uma vida dedicada ao diálogo e de uma alteridade radical. Sempre que retomarmos os estudos da sua teologia para construir a dissertação, voltaremos a mencionar as pedras angulares da sua biografia. É necessário reconhecer o valor de Griffiths para a caminhada do diálogo hindu-cristão.

 


Obras de Bede Griffiths

GRIFFITHS, Bede. O Rio de Compaixão: Um comentário cristão ao Bhagavad-Gita. São Paulo: É realizações, 2011.

____. Casamento do Oriente com o Ocidente: Hinduísmo E Cristianismo. São Paulo: Paulus, 2000.

____. Retorno ao Centro: O Conhecimento da verdade – o ponto de reconciliação de todas as religiões. São Paulo: Editora Ibrasa, 1992.

_____. The Golden String: The Autobiography of Bede Griffiths, Benedictine of Prinknash. Whitefish: Literary Licensing, LLC, 1954

____. Bede Griffiths: Essential Writings. Modern Spiritual Masters, 2004.

_____. The cosmic revelation: The Hindu way to God. Templegate Publishers, 1983.

_____. Christ in India: essays towards a Hindu-Christian dialogue. Scribner, 1984.

_____. Vedanta & Christian Faith. Dawn Horse Pr, 1991.

_____. A new vision of reality: Western science, Eastern mysticism and Christian faith. 1990.

_____. The New Creation in Christ. Darton, Longman and Todd, 1992.

______. The Universal Christ: Daily Readings with Bede Griffiths. 1990

_____. Universal Wisdom: In the Scriptures of Hinduism, Buddhism, Taoism, Sikhism, Islam, Judaism, and Christianity. Edited by Roland Ropers. San Francisco: HarperCollins, 1993.

Estudos sobre Bede Griffiths

DU BOULAY, Shirley. Beyond the darkness: a biography of Bede Griffiths. Doubleday Books, 1998.

GREEN, Beatrice Alice. A christological interpretation of” The Golden String” of Bede Griffiths’ spiritual journey. 2011.

KOLLAR, R. Bede Griffiths. A Life in Dialogue. The Catholic Historical Review, Washington, v. 88, n. 2, p. 381-382, 04 2002.

PARACHIN, V.M.. Bede Griffiths: Christian Guru. Spiritual Life, Washington, v. 56, n. 4, p. 221-230,  2010

PANDIKATTU, Kuruvila. Religious Dialogue as Hermeneutics: Bede Griffith’s Advaitic Approach to Religions. CRVP, 2001.

SPINK, Kathryn. A Sense of the Sacred: A Biography of Bede Griffiths. Maryknoll, New York: Orbis Books, 1989

TEASDALE, W. Bede Griffiths as mystic and icon of reversal. America, New York, v. 173, n. 9, p. 22, Sep 30 1995.

__________. Towards A Christian Vedanta: The Encounter Of Hinduism And Christianity According To Bede Griffiths. Fordham University, ProQuest Dissertations Publishing, 1986

TRAPNELL, J.B. Bede Griffiths’ theory of religious symbol and practice of dialogue: Towards interreligious understanding. 1993. 642. (Order No. 9315423) – The Catholic University of America, Ann Arbor, 1993.

_____________  Bede Griffiths: a life in dialogue. SUNY series in religious studies. 2001.

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