“Vande Saccidananda – vande
Vande Saccidananda – vande
Bhogi Ianchita yogi vanchita charamampadam
Vande vande vande Saccidananda”
Swami Brahmabandhav Upadhyay
Advaita e Saccidananda. Esses dois termos se encontram na profundeza da mística e metafísica hindu. E o entendimento desses conceitos se faz necessário, pois eles serão relacionados com o misticismo cristão e a Trindade. Apresentaremos aqui o entendimento e a experiência intuitiva de Grittihs com esses dois conceitos e as conexões geradas a partir do encontro com a fé cristã. É importante lembrar que Bede Griffiths era um aprendiz desses conceitos e filosofia, e que talvez, suas interpretações lidem mais com suas buscas internas do que de fato o significado real de tais conceitos.
Wayne Teasdale diz que é importante compreender o advaita como um nome para o estado místico da consciência e Advaita, que é a doutrina filosófica que surgiu no século VIII com o filósofo de Vedanta, Shankara (1986, p. 167). Advaita é quando uma pessoa transcende o ego, o ahamkara (concepção do eu como separado), transcende a mente e o discurso racional, os manas, e a inteligência pura ou intelecto, buddhi, e entra na pura união, a não-dualidade, conhecido como advaita (TEASDALE, 1986, p. 167). A experiência de não-dualidade e o processo de entendimento dela em relação à vida é o foco essencial do pensamento hindu. Essa experiência ocorre quando se é atraído a pura unidade através do poder da alma, poder de unificação, e quando apenas a razão e o intelecto são poderes de discernimento, divisão, análise e discriminação dos objetos. (TEASDALE, 1986, p. 167)
Basicamente, o significado de advaita deriva da palavra dvaita. Dvaita significa dois ou a dualidade, e, sendo o a um prefixo de negação, advaita significa não-dois, não-dual. Isso deve ser diferenciado do monismo. Pode-se, então, dizer que filosoficamente, advaita é usado para referir a uma relação (além do puro monismo) a qual não é levado a dualidade. Como já dito, essa filosofia foi aperfeiçoada pelo filósofo Shankara no sistema da Vedanta. Desta maneira, esse conceito expressa a relação entre Deus e o mundo ou entre Deus e a alma, que é entre Jīvātmān (alma individual) e Paramātmā (alma suprema, Brahman) (PANDIKATTU, 2001, p. 62).
O sistema advaita-vedanta é um sistema não-dual, pensa Brahman, assim como é descrito na Taittiriya Upanishad 2.1.1, como: “Satyam Jnaanam Anantam Brahma” – Brahman é a verdade, conhecimento e infinito. As afirmações sobre Brahman são secundárias, pois o senso do Absoluto é além dos atributos e definições. Satyam é usado para indicar que o Absoluto não é irreal, Jnaanam é usado para indicar o que o Absoluto não é inconsciente, Anantam para indicar que o Absoluto não é finito (GRIMES, 1994, p. 144). A única realidade é Brahman, as aparências de realidade são māyā (ilusão), e quem considera a aparência como realidade está embebido por avidyā (ignorância). “Māyā, “ilusão”, é para o Advaita um sinônimo de Avidyā, ignorância” (GULMINI, p. 119)
Para Teasdale, o “advaita pode ser considerado o estado de unidade, enquanto Saccidananda pode ser considerado como o conteúdo. Se este é o caso, isso explicaria a universalidade da experiência advaitica” (1986, p. 174). Teasdale explica que dizer que o advaita é o estado de unidade e Saccidananda é o conteúdo não implica em uma distinção entre a unidade e o conteúdo. A distinção é feita para melhor compreensão do insight místico da tradição védica (1986, p. 175). Para Teasdale, o advaita de não específica a natureza de seu conteúdo, mas apenas uma coisa é sabida, que é não-dual, algo além não é pura unidade nem dualismo, algo entre os dois extremos (1986, p. 175)[2].
Griffiths experienciou e pensou o advaita cristão a partir de alguns pontos chaves:
- Experiência advaitica de Jesus
A passagem chave na articulação de Griffiths deste princípio de um advaita cristão é tirada da oração sacerdotal de Jesus no Evangelho de João: “Minha oração não é apenas por eles. Rogo também por aqueles que crerão em mim, por meio da mensagem deles, para que todos sejam um, Pai, como tu estás em mim e eu em ti. Que eles também estejam em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste” (João 17:20,21, NVI)
- Mantra para aprofundar a consciência advaitica
Na meditação o indivíduo se desloca através da humanidade de Jesus (como símbolo) para o que ele simboliza, o Pai. Entendido de uma outra maneira, na meditação o indivíduo se move através e além do mantra, além do nome e forma, para a experiência interpessoal e não-dual, para a comunhão do amor o qual é Deus. Griffiths é influenciado por John Main, que fundou a Comunidade Mundial de Meditação Cristã, então, há semelhanças em seus pensamentos. Para ele, permanecer no símbolo, e nessa fase, incluindo Jesus, Eucaristia ou qualquer um dos mantras e não ir além deles, ir para o Mistério Divino, é idolatria.
Minha compreensão de advaita é que existe uma unidade que está além e dentro de todo o universo. E se você se concentrar no além, então esse universo pode parecer nada. Mas quando você olha mais profundamente, você vê que todas as diferenças neste mundo e você e eu e cada ser humano estão integrados na unidade de um. Não é uma unidade em branco. Como o vazio do budismo Mahayana, não é apenas o vazio. É um vazio totalmente cheio. E sempre quando você chega a esse ponto, você chega ao mundo do paradoxo, que está vazio e cheio … O nirvana e o samsara, o caminho do mundo, são um só. É um insight maravilhoso: você vai ao nirvana, deixa o mundo para trás e entra nesse vazio. E então você redescobre toda a multiplicidade do mundo no nirvana. E isso para mim é o mais profundo insight. E essa foi muito minha experiência. Quando tive essa ruptura, as faculdades mentais haviam desmoronado … a união foi encontrada; mas todos e tudo estavam na unidade. E é aí que sinto que temos que nos mudar (GRIFFITHS, 1991)
A alma e o mundo não são ilusórios, mas reais. A relação entre o mistério divino, a alma e o mundo foi experimentada como não-dual (TRAPNELL, 1993, p. 419)
- Saccidananda
Saccidananda ilustra a natureza da unidade, a não-dualidade, e em algum sentido, deve ser considerado o símbolo do Divino, que inclui os atributos principais da Divindade, Brahman. Compreender, não apenas com a razão, o conceito de Saccidananda, torna-se tarefa essencial para entender o advaita cristão de Griffiths. Foi a partir da sentença upanishadica ” “Satyam Jnaanam Anantam Brahma”” que Shankara elabora a única definição catafática, positiva, de Brahman: Brahman é Sat, Cit e Ananda = Sac-cid-ananda (GULMINI, 2007, p. 104). Estas são três “qualificações” de Brahman, da experiência mística suprema, uma experiência na qual se descobre o fundamento da identidade pessoal na suprema identidade da Divindade, simplesmente em estar ciente do ser.
- Sat: ““ser, existência”, é o correlato da definição satya, “verdade”, dada pela Upanishad e pretende conferir a Brahman/atman o estatuto de princípio unitário e ontológico do universo e dos seres: existente, absoluto, homogêneo, infinito, imutável, imortal, etc.” (GULMINI, 2007, p. 104).
- Cit: “um nome-raiz que designa tanto “consciência” como “ser ciente de”, foi o termo escolhido pelos advaitin (adeptos do Advaita) em substituição ao termo inicial jñana, “conhecimento”. Ao identificar o sujeito absoluto com o puro conhecimento e com a pura consciência, o advaitin pretende indicar o caráter eternamente auto-luminoso da consciência do si-mesmo – a consciência como fenômeno sempre existente e sempre consciente de sua existência – e sua oposição ao caráter dual, e, portanto, de conhecimento limitado. (GULMINI, 2007, p. 104)
- Ananda: “‘gozo, êxtase, transe, bem-aventurança, prazer sem fim’, foi preferido pelos discípulos de Shankara em substituição ao anterior ananta, ‘infinito’, por traduzir de forma mais completa o caráter eternamente auto-satisfeito do si-mesmo que é consciência/inteligência eterna, infinita, absoluta” (GULMINI, 2007, p. 104)
Bede Griffiths aceita essa formulação da experiência do hinduísmo do mistério transcendente, a realidade última da Fonte. Ele tem grande respeito e confiança na autoridade desta profunda experiência, e considera-a como uma genuína penetração da consciência humana na Consciência Divina (TEASDALE, 1986, p. 178). Em uma passagem do “Casamento do Oriente e do Ocidente”, ele resume sua compreensão da experiência advaitica e sua culminação no símbolo e intuição saccidananda:
Quando a mente em meditação vai além das imagens e conceitos, além da razão e da vontade, até o Solo último de sua consciência, ela se sente nessa unidade sem tempo e sem espaço de Ser, e essa experiência está expressa nas “grandes afirmações” dos Upanishads: “Eu sou Brahman”, “Tu és Aquilo”. O Último é experienciado nas profundezas da alma, na substância ou Centro da consciência da alma, como seu próprio Solo ou Fonte, como seu próprio ser ou Si-mesmo (Atma). Essa experiência de Deus está sintetizada na palavra saccidananda. Deus, ou Realidade Última, é experienciado como ser absoluto (sat), conhecido em pura consciência (cit), comunando bem-aventurança absoluta (ananda). Essa foi a experiência dos videntes dos Upanishads, assim como tem o sido de inúmeros homens santos da Índia desde então. É uma experiência de autotranscendência que propicia uma percepção intuitiva da Realidade. É esse conhecimento que o homem ocidental precisa aprender a adquirir (GRIFFITHS, 2000, p. 23).
Estes são os termos essenciais que Bede Griffiths relacionou de forma substantiva com a profundidade última da tradição cristã, e talvez da própria realidade, a intuição trinitária. Seguindo a visão dos seus antecessores que entendiam o Saccidadanda da seguinte maneira
SAT, quando sua contemplação de dirige ao Pai, “o Princípio sem Princípio”, fonte e termo de expansão e de “recolhimento da vida divina; CIT, quando medita sobre o Logos, Imagem intelectual consubstancial ao Existente; ANANDA, quando se considera o Paráclito, unificando, na alegria do Amor Absoluto, o Pai e o Verbo” (MONCHANIN, LE SAUX, 1959, p. 201).
Pandikattu pergunta: “Como é possível conciliar a experiência de união com o Último, com a qual toda distinção se desvanece, com a experiência de comunhão no amor ao modelo Trinitário?” (2001, p. 74) . Griffiths se esforça para responder a esses questionamentos, em 1986, ele escreve
Parece que é apenas a doutrina cristã da Trindade, que é capaz de resolver este dilema concebendo a Divindade como Ser absoluto, um “sem segundo”, infinitamente transcendente, e ao mesmo tempo ter relações dentro de si, relações de conhecimento e amor, expressas em termos de uma trindade de pessoas, que são uma em essência (e, portanto, em nenhum sentido dual) e ainda relacionado pelo conhecimento e amor. O caminho está aberto, portanto, à comunhão dentro da Divindade; a Divindade não é simplesmente ser, conhecimento e bem-aventurança, mas também amor e, portanto, comunhão (p. 69)
Dessa maneira, do ponto de vista cristão, é igualmente correto dizer que Deus é um, unido a toda manifestação, e que Deus é uma comunhão de pessoas em que a alma pode participar através do amor. A Trindade é a base divina para a não-dualidade, a “unidade em relação”, potencial na relação da alma com o divino (PANDIKATTU, 2001, p. 75 ; TRAPNELL, 1993, p. 356). Na compreensão cristã da não-dualidade de Griffiths há o ensinamento da Trindade, valorizando a experiência contemplativa que a envolve, e, nesse sentido, podendo lançar luz sobre a experiência e interpretação hindu de advaita. A intuição básica de que Deus é amor, segundo Griffiths, também pode ser encontrada no hinduísmo, não apenas nas tradições explicitamente da bhakti-yoga (devocionais), mas também na escola não-dualista do advaita. No entanto, a capacidade de articular essa intuição é dificultada pela inconsistência lógica em descrever Deus como “um sem um segundo ” e como “amor”, dado que o amor sempre implica relacionamento – um problema que Griffiths também localiza em outras crenças monoteístas (TRAPNELL, 1993, p. 357)
O hindu acredita que Deus é amor em certo sentido, e que você pode amar a Deus, mas não que a própria divindade é o amor. Não pode haver amor sem dois. Se Deus é uma mônada pura como Ele é no Islã, como Ele tende a ser no hinduísmo, Ele não pode ser amor em si mesmo. Mas no conceito cristão a própria divindade é amor, é uma comunhão de amor. Há uma distinção dentro da própria Divindade, distinção além de nossa compreensão que expressamos grosseiramente em termos de pessoa e relação. Estes são termos humanos apontando para a realidade. A realidade é que Deus é amor, que há algo que corresponde à comunhão pessoal no amor na Divindade, e somos chamados a participar dessa comunhão de amor (GRIFFITHS, 1983, p. 130)
Posteriormente, esse amor seria um dos elementos chaves em Bede Griffiths, a qual complementaria a visão comum do advaita Hindu. Essa profundeza no divino e ao mesmo tempo no amor humano, a qual é a origem da Trindade, belamente capturada por Griffiths quando diz
Mas no amor, nós damos a nós mesmos, comunicamos a nós mesmos a outro, transcendemo-nos em auto-rendição. Assim também no ser divino, na realidade absoluta, há movimento de amor, auto-entrega, auto-rendição. Deus se dá ao homem, comunica seu próprio espírito, seu interior ao homem, mas isto por sua vez reflete o movimento da auto-entrega, de auto-rendição na divindade; o movimento de autoconhecimento, de autor-reflexo, de autoconsciência em Deus, é acompanhado por outro movimento de auto-entrega, de auto-rendição de amor extático (GRIFFITHS, 2000, p. 81)
Consideramos o advaita e o Saccidananda como valores e experiências que são tesouros da mística, que devem ser reconhecidos, preservados e promovidos, porque surgiram das profundezas do hinduísmo e tocam a espiritualidade de maneira única.
Meditando em Saccidananda:
“O mundo inteiro está se abrindo para as tradições místicas nas diferentes religiões […] Nós mesmos temos que meditar e nos abrir para a realidade transcendente. Se trabalharmos apenas no plano racional, não faremos nenhum avanço real. Temos que estar abertos ao transcendente no fundo de nossos corações e é aí que nos encontramos. Quando o judeu, o cristão, o muçulmano, o hindu e o budista se abrem em oração, em meditação, para o mistério transcendente, vão além da palavra, além do pensamento, simplesmente se abrindo para a luz, para a verdade, para a realidade, então o encontro acontece. É aí que a humanidade será unida. Somente através da transcendência podemos encontrar unidade” ( BEDE GRIFFITHS, 1984b, 87)
Tradução:
Glória a Saccidananda, O Existente, o conhecedor, o bem-aventurado, o objetivo maior desprezado pelo mundo, ansiado pelos Santos, o todo-poderoso, o ancestral, a plenitude, o Uno; mais elevado que o mais elevado, o distante e o próximo conectados no interior, desconectados sem o divino, o alerta. Aquele a quem o intelecto é insuficiente para alcançar, o pai, o incitador, o sem origem, o grande senhor, causa de tudo, semente sem semente da árvore da existência, de cujo olhar tudo procede, o protetor do mundo. O Filho não criado, o mundo infinito. A grande pessoa, a imagem do pai, a sabedoria essencial, o salvador, o abençoado, a felicidade essencial.
Procedente da união do Ser e consciência, o consagrador, extremamente agil , o revelador do filho revelador. O doador de vida, glória a Saccidananda.

Yoga of Jesus. Jyothi Sahi, 2007.
Bibliografia
GULMINI, Lilian Cristina. Do dois ao sem-segundo: Śaṅkara e o Advaita-Vedānta. 2007. 203 f. 2007. Tese de Doutorado. Tese (Doutorado em Lingüística)-Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo.
GRIMES, John A.; GRIMES, John. Problems and Perspectives in Religious Discourse: Advaita Vedanta Implications. SUNY Press, 1994.
GRIFFITHS, Bede. Casamento do Oriente com o Ocidente: Hinduísmo E Cristianismo. São Paulo: Paulus, 2000.
______. Transcending Dualism,” Palestra dada originalmente no Ecumenical Institute in Jerusalem em 1984b.
MONCHANIN, J.; LE SAUX, H. Eremitas do Saccidânanda. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia, 1959
Sandhya Vandana, Saccidananda Ashram, 2011.
TEASDALE, W. Bede Griffiths as mystic and icon of reversal. America, New York, v. 173, n. 9, p. 22, Sep 30 1995.
__________. Towards A Christian Vedanta: The Encounter Of Hinduism And Christianity According To Bede Griffiths. Fordham University, ProQuest Dissertations Publishing, 1986
PANDIKATTU, Kuruvila. Religious Dialogue as Hermeneutics: Bede Griffith’s Advaitic Approach to Religions. CRVP, 2001.
[2] Entretanto, algumas linhas da filosofia do advaita acreditam na pura unidade, sem distinção. Teasdale, nesse sentido, já compreende o advaita na concepção de Griffiths.