O padre Jules Monchanin nasceu em Fleuri, Rhône, em abril de 1895, desde muito cedo demonstrou interesse no sacerdócio e completou seus estudos teológicos no ano te 1992. Apesar de sua distinção intelectual, sua habilidade na escrita e em conceber conceitos filosóficos, ele não completa seus estudos do doutorado, mas antes, pede para ser enviado para uma paróquia em bairro pobre de trabalhadores em Lyon (OLDMEADOW, 2004, p.102). Ele serviu em três paróquias, ficou gravemente doente, mas foi nomeado como capelão em um orfanato, e posteriormente em um internato de meninos. Devido seu intelecto apurado, sempre permaneceu no ambiente acadêmico e se dedicou a inúmeros estudos. A atração pela Índia o perseguiu desde a infância, e o conduziu para estudos em sânscritos, estudos orientais, religião comparada. E a partir dos anos 30, Monchanin aspirava a possibilidade de viver um monasticismo cristão na Índia (tarefa não muito fácil para alguém ligado à Igreja Mãe). Entre muitos processos burocráticos e negociações, que levaram anos, finalmente Monchanin recebe a aprovação do Bispo de Tiruchirapali para iniciar seus trabalhos entre os cristãos indianos espalhados na região, e que foram evangelizados séculos antes por Francisco Xavier e Roberto de Nobili. Assim sendo, Monchanin parte para seu destino de coração, deixa Marselha e chega à Índia em maio de 1939 (OLDMEADOW, 2004, p.102).
Monchanin foi um pioneiro no diálogo hindu-cristão, seguia uma perspectiva inclusiva. Nas palavras de Monchanin:
A realização do Reino, do Corpo Glorificado, da encarnação, paixão e glorificação de Cristo deve sempre continuar. A completude da revelação vai além da nossa perspectiva. Missão significa não tanto a conversão de indivíduos como o sorteio de outros grupos, como indianos, chineses e muçulmanos, para o Corpo. A igreja visível não deve ser separada da igreja invisível, a qual é representada. Essa tarefa não vai ser terminada até o fim dos tempos, Parusia, quando o corpo glorificado será completo, inteiro. (MONCHANIN in RODHE, 1993, p.17)
O padre francês acreditava que a Índia tinha muito o que ensinar aos cristãos. Ele foi fascinado pela filosofia do Advaita e dizia que a revelação cristã deveria encontrar expressão nos Vedas e Upanishads. Como disse St̲t̲īphan, embora seja um grave erro, ele acreditava que se a Índia tivesse que ser ganhada para o cristianismo, era preciso converter os Brahmanes. Ele quase aceitou o sistema de casta como um fenômeno social, assim como Roberto de Nobili (2001, p. 24).
Na visão de Monchanin, a revelação cristã era o mais perto de Sat-Chit-Ananda. Em um comentário, Sten Rodhe sintetiza um dos pensamentos de Monchanin dizendo: “Para entender a Trindade, a Índia deve começar pelo Espírito, Deus sem formas, e a partir daí encontrar o caminho para o filho, incarnado como ser humano” (1993, p. 20). O objetivo de Monchanin na Índia era como duas cordas entrelaçadas. “Desde que a essência da cultura Indiana foi o misticismo, o desafio do Cristianismo na Índia era de focar na interioridade do Espírito Santo em suas formas indianas e permitir que a forma visível da Igreja expressasse ela mesma em uma verdadeira maneira indiana” (COWARD, 1994, p. 52) . Esse encontro com os saberes tradicionais indianos possibilitou um aprofundamento no próprio cristianismo, levando a redescoberta de uma tradição mística e contemplativa na teologia cristã (BELTRAMI, 2013, p. 29). E, em diferentes níveis de envolvimento, esse duplo comprometimento seria quase como um padrão aos católicos que se engajaram na temática. Seguindo essa linha dos encontros dos saberes, Raimon Pannikar resume bem o pensamento com a seguinte ideia: “Sem um diálogo externo, ou seja, sem um intercâmbio constante com outras pessoas, as religiões afogam-se. Dificilmente alguém poderá entender a fundo sua religião sem ter uma ideia da existência e legitimidade de outros universos religiosos” (1993, p. 1148)
Após uma década de trabalho pastoral na Índia, Monchanin, juntamente com o monge beneditino francês Henri Le Saux (1910-1973), estabelece um ashram cristão, Saccidananda Ashram – mais conhecido como Shantivanam Ashram – em Tamil Nadu. Monchanin se identificava como missionário e pensou que um ashram cristão na Índia seria um excelente veículo de cristianização da Índia: “Por que somos missionários? Por Cristo, para completar Cristo, a fim de que Sua encarnação possa ser total, para que Cristo possa entregar-se um dia em sua totalidade ao Pai.” (MONCHANIN, 1974, p. 17). O pensamento dos dois padres era que o trabalho missionário não era o proselitismo tradicional, mas antes, mergulhar na Índia e viver uma vida “oculta” de trabalho e contemplação dos swamis e sadhus (renunciantes) indianos, para assim, ganhar o respeito dos hindus e conseguir servi-los em suas necessidades espirituais, e, obviamente, eventualmente convertê-los (BELTRAMI, 2013, p. 29). Em geral, o trabalho missionário de Monchanin, e de outros padres católicos, foi um marco para a mudança do chamado “exclusivismo religioso” – que se concentra apenas em converter e ensinar os outros – ao “inclusivismo” – um trabalho missionário que se concentra mais no diálogo e exemplo – dando o início de uma teologia cristã das religiões (BELTRAMI, 2013, p. 47). Monchanin e Le Saux adotaram as vestes cor de açafrão dos sannyasis indianos, no lugar das vestes brancas utilizadas pelos padres católicos na Índia. Ambos queriam ampliar e enriquecer a tradição católica através de sua reformulação nas categorias hindus de interpretação. Nesse empreendimento de “reformular o cristianismo”, os símbolos externos, a arquitetura, os rituais também foram mudados, como veremos no tópico sobre o Shantivanam Ashram. Monchanin se envolvei com o Hinduísmo em um nível intelectual, através de intensos estudos filológicos, históricos e teológicos.
Quanto mais Monchanin imergia-se no estudo dos textos sagrados do hinduísmo, mais ele identificava-se com o cristianismo e sua herança intelectual grega (Patrística). Em outras palavras, quanto mais ele tentava investigar as profundezas da mentalidade hindu, mais ele redescobria as próprias raízes ocidentais católicas. Em seu caso, sua escolha identitária foi provavelmente determinada pela composição religiosa de suas conexões eclesiásticas e de seus amigos, em sua maioria, católicos. (BELTRAMI, 2013, p. 30)
Beltrami aponta que não há evidência de uma experiência negativa com o hinduísmo por parte de Monchanin, porém, não há também evidência de uma experiência positiva. (2013, p. 30). Os hindus tratavam Monchanin como alguém à parte do grupo, um ponto importante para a questão pessoal da identidade social do padre. Apesar de vestes de sannyasi e nome indiano (Swami Paramarubyananda), ele não foi aceito pela comunidade de religiosos hindus, e nunca tentou fazer parte. Sua socialização familiar e eclesiástica foi europeia e católica, e esse fator afetou consideravelmente suas escolhas de identidade religiosa e sua tendência em modificar sua mentalidade ocidental. “De modo mais importante, sua identidade católica e europeia nunca esteve realmente em cheque. Monchanin nunca considerou o hinduísmo como uma opção identitária legítima.” (BELTRAMI, 2013, p.29)
O problema era que a teologia e o misticismos estavam puxando para direções opostas, a tensão era decorrente de um literalismo dogmático e de um exoterismo ossificado na Igreja Católica, que insistia nas verdades exclusivas do cristianismo e na sua superioridade em relação a outras fés (Oldmeadow, 2004, p. 105). Monchanin escreveu em 1951:“A Índia ainda não está interessada, não compreende o Deus Triúno, encarnado em Cristo. (MONCHANIN in RODHE, 1993, p. 37)[8]Enquanto isso, Le Saux parecia mais confortável com o Advaita, e mais concentrado na contemplação do que na teologia ou filosofia, por outro lado Monchanin disse: “O hinduísmo deve rejeitar sua equação do atmanbrahman, se for entrar em Cristo” (MONCHANIN in RODHE, 1993, p. 37). Depois de estudar os textos da Yoga (sua saúde era muito frágil para colocá-la em prática), ele a considerou ateísmo, faltando amor e graça, portanto, tendo pouco espaço para o florescimento do cristianismo (COWARD, 1994, p. 52).
Contudo, ele reconheceu que isso estava no núcleo da espiritualidade indiana e, portanto, impôs um sério desafio ao seu sonho de cristianizar a Índia. Apesar disso, ele manteve-se esperançoso quanto ao advento da Igreja na Índia, embora sua visão da Índia redescobrindo-se sob uma forma cristã esvaneceu-se consideravelmente. (COWARD, 1994, p. 52-53)
Há muitas contradições nos escritos de Jules Monchanin, podemos imaginar algumas crises que esse encontro de duas tradições lhe deu. As tensões entre um rígido exclusivismo cristão e um reconhecimento das profundezas espirituais do hinduísmo permearam sua vida. Para Oldmeadow, a vida de Monchanin teria sido mais fácil se o Concílio do Vaticano II tivesse ocorrido meio século antes. E também teria sido poupado de diversas angústias se tivesse recorrido às obras de seu compatriota René Guénon, ou Frithjof Schuon (2004, p. 105-106)
As complicações de saúde de Monchanin levaram ao falecimento em decorrência de um câncer, em 1957, em Paris. Mesmo vivendo crises de fé e com inúmeras contradições, Monchanin “(…) era pioneiro na Igreja Católica de uma visão inclusiva sobre a relação da cristandade e o hinduísmo. A tradição indiana não deveria ser rejeitada, mas integrada à Igreja” (RODHE, 1993, p. 73). Pegadas da contribuição de Monchanin podem ser encontradas, a começar pelo fato que após a sua morte essa visão mais inclusiva veio a se tornar a posição oficial da Igreja Católica no Concílio Vaticano II (COWARD, 1994, p. 53).
BELTRAMINI, Enrico. Modernity and its Discontents: Western Catholic Pioneers of the Hindu-Christian Dialogue. International Journal for History, Culture and Modernity, v. 1, n. 1, p. 21-52, 2013.
COWARD, Harold. Book Review:” Jules Monchanin, Pioneer in Hindu-Christian Dialogue”. Journal of Hindu-Christian Studies, v. 7, n. 1, p. 15, 1994.
OLDMEADOW, Harry. Jules Monchanin, Henri Le Saux/Abhishiktananda and the Hindu-Christian Encounter. Australian Religion Studies Review, v. 17, n. 2, 2004.
RODHE, S. , Jules Monchanin, Pioneer in Hindu-Christian Dialogue. New Delhi: ISPCK, 1993,