Ontem foi um dia um tanto quando distinto. Acordei em meio a barulhos do dia-a-dia. Na outra noite tive insônia e fui dormir por volta das quatro horas da manhã. Bebi um copo de água gelado – dizem que faz bem em jejum. E alimentei meu cachorro. Arrumei a bagunça que estava no meu quarto. Quando dentro de mim fica uma bagunça, todo o externo também fica. Empilhei os livros jogados pelos cantos – não há mais espaço para eles aqui. Depois de horas a fio. Lavei a louça. Estendi as roupas no varal. E esquentei meu almoço. O bom das segundas-feiras é que dá para comer os restos do domingo. Depois dos afazeres banais, com a indisposição costumeira, me pus a me aprontar para o cinema. Estava em cartaz um filme que muito queria ver – Loving Van Gogh. Peguei um táxi até o metrô e fui para meu cinema preferido – Espaço Itaú de Cinema. Fica na rua Augusta, muito famosa em SP pelos bares e baladas. Mas eu prefiro mesmo os cinemas, livrarias e cafés de São Paulo. Essa cidade que é ambígua mas da qual meu coração pertence. Olhos marejados que transbordam. A incompreensão do artista. As tentativas. Identificação. Sinto muito. Ele sente muito. Quando saí do cinema coloquei meus óculos escuros . Por quê fazemos isso? Lágrimas são ofensivas para termos que esconder? Desnorteada fui até a Avenida Paulista. Acendo um cigarro – somos todos fumaça. Aquela poluição do tabaco invade meus pulmões, meu cérebro e me sinto mais calma. Começo a andar sem rumo. Um morador de rua vem falar comigo. Pegunto algumas coisas. Ele me diz que era de Osasco, tem uns 32 anos, faz tempo que mora na rua. Estava meio atordoado, talvez pela falta de drogas – que nitidamente usava. Os seguranças já estavam à postos. Passei no mercado e comprei o que ele me pediu. Não me agradeceu. Refleti – por quê diabos tinha que me agradecer? Acendi outro cigarro e fui para meu café favorito na cidade. Não, ele não tem nada de mais. Mas me sinto confortável e acolhida naquele ambiente – café do Cine Cultura, Scada Café, embora ninguém o conheça assim. Apenas Café do cinema da Livraria Cultura que fica no Conjunto Nacional que fica na Avenida Paulista. Era mais fácil ser conhecido como Scada Café. Conheço os garçons, o gerente e as baristas. Todos me tratam com muita cortesia. Pedi um misto quente e um cappuccino. Espero meu pedido conversando com um amigo pelo celular. Digo que fui ao cinema sozinha, ele me pergunta o motivo e respondo com uma frase que ecoa até hoje em meus ouvidos: “sou sozinha”. Desligo o celular. Na ida ao teatro tinha começado um livro que um amigo emprestara – O Estrangeiro de Albert Camus. Meu pedido chega e a barista desenha um gatinho lindo no meu cappuccino, agradeço com um gesto, e tento não estragá-lo enquanto adoço. Tudo é impermanente, inclusive o gato no café. Mas nos apegamos à essas coisas inúteis pois achamos belas. Voltei à minha leitura do Camus. Aquele livro me prendeu o bastante para terminá-lo em um só dia. A caminho de casa observo as pessoas no metrô, no ônibus. Tudo me soa muito estranho. Sempre achei o mundo estranho e nada muda essa minha percepção. Acordei hoje com vontade de nada. Meio como o Sr. Meursault ou Antoine Roquentin. O máximo que fiz foi assistir um filme repetido e comer algumas bobagens. Não queria ler, nem escrever. Um dia banal de dezembro. Esperando o nada chegar. A incompreensão reina, como reinou na vida de Van Gogh. Não sei porque estou te escrevendo isso, querido. Mas tem sentimentos nauseantes que só passam quando vomitados em palavras. Espero que você rasgue esse bilhete após ler. Te visitarei daqui 8 dias. Vou levar os livros que você me emprestou – por sinal gostei muito da poesia “paisagem como um grão de areia”. E claro, prepare um vaso bem bonito, pois levarei alguns girassóis.
Com amor,
Lise